Quem é Sanae Takaichi, a primeira mulher a comandar o Japão

Ex-baterista de uma banda de heavy metal e fã de Margaret Thatcher, Takaichi foi eleita primeira-ministra do Japão. Política conservadora enfrentará desafios políticos e econômicos.

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A nacionalista Sanae Takaichi foi nomeada nesta terça-feira (21/10) primeira-ministra do Japão, e, desta forma, será a primeira mulher a comandar o país. Ela conquistou a vitória na votação parlamentar para escolha do cargo, após ter sido eleita líder da legenda governista Partido Liberal Democrático (PLD) no início do mês.

“Sanae Takaichi foi eleita nova primeira-ministra”, disse o porta-voz do Parlamento japonês, Fukushiro Nukaga, ao final da apuração da votação, onde ela obteve 237 dos 465 votos em disputa, quatro acima do necessário.

Yoshihiko Noda, líder do maior partido da oposição, o Partido Democrático Constitucional (PDC), ficou em segundo lugar com 149 votos; seguido por Yuichiro Tamaki, do Partido Democrático para o Povo (PDP), com 28 votos; Tetsuo Saito, do partido budista Komeito, que abandonou recentemente a coalizão com o PLD após 26 anos, obteve 24 votos; e os votos restantes foram para partidos minoritários.

A vitória de Takaichi foi anunciada com entusiasmo no Parlamento, cujo voto prevalece, e ela se impôs depois na Câmara Alta em segundo turno contra Noda, com 125 votos contra 46.

A nomeação de Takaichi, de 64 anos, estava praticamente assegurada depois que ela assinou na véspera um acordo com o opositor Partido da Inovação do Japão (Ishin), seu novo parceiro de coalizão, para contar com seu apoio na votação, na qual a fragmentada oposição não conseguiu apresentar um candidato conjunto para enfrentá-la.

Aos 64 anos, ela assume o Japão em meio a uma crise política, já que será a quinta líder nacional em cinco anos. E a agenda já começa agitada: na próxima semana, a premiê deve receber o presidente dos EUA, Donald Trump, em solo japonês.

Admiradora de Margaret Thatcher

Admiradora da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, Takaichi é uma estrela da política ultraconservadora do país e uma das raras mulheres a subir na hierarquia dominada por homens. Ela é defensora da estratégia conhecida como “abenomics”, do falecido premiê Shinzo Abe, que prevê grandes gastos e uma política monetária flexível para impulsionar a economia.

Crítica ferrenha da China, Takaichi é presença frequente no Santuário Yasukuni, visto por China, Coreias e outras vítimas asiáticas da agressão japonesa na Segunda Guerra Mundial como um local que glorifica o passado militarista do país.

Eleita pela primeira vez ao parlamento por sua cidade natal, Nara, em 1993, ela ocupou cargos importantes no partido e no governo, incluindo ministra da segurança econômica, assuntos internos e igualdade de gênero.

Ela defende o fortalecimento das forças armadas, mais gastos fiscais para crescimento, promoção da fusão nuclear, cibersegurança e políticas mais rígidas sobre imigração.

Trabalho duro

Quando estudante, a nova premiê japonesa foi baterista em uma banda de heavy metal e andava de motocicleta. Ela se descreve como uma workaholic que prefere trabalhar a sair para socializar. Após duas tentativas fracassadas de liderar o PLD, diz ter feito esforços para construir mais conexões com colegas. “Vou abandonar a expressão ‘equilíbrio entre vida pessoal e trabalho’. Vou trabalhar, trabalhar, trabalhar e trabalhar”, afirmou, em comentários que geraram reações intensas.

Parlamentares mulheres no PLD frequentemente são ignoradas para cargos ministeriais ou afastadas quando falam sobre diversidade e igualdade de gênero. As mulheres ocupam apenas cerca de 15% das cadeiras na câmara baixa do Japão, a mais poderosa das duas. Apenas duas das 47 províncias japonesas têm governadoras mulheres.

Takaichi evitou falar sobre questões de gênero no passado, mantendo visões tradicionais preferidas pelos líderes masculinos do partido.

Parlamento “escandinavo”

Uma das promessas de Takaichi era a composição de um Executivo com mais mulheres, o que ela classificou como um projeto “escandinavo”, em referência aos países nórdicos, que são reconhecidos por terem mulheres em altos cargos governamentais e políticos. No entanto, ela nomeou apenas outras duas mulheres entre os 19 ministros.

De acordo com a imprensa japonesa, uma delas é Satsuki Katayama, ex-ministra da Revitalização Regional, que comandará o Ministério das Finanças, a primeira mulher a ocupar esse cargo no país.

Atualmente, o Japão é apenas o 118º colocado entre 148 países no relatório anual do Fórum Econômico Mundial sobre igualdade de gênero – Islândia, Finlândia e Noruega ocupam os três primeiros lugares do ranking. A câmara baixa do parlamento japonês é um bom exemplo disso, já que conta com apenas 15% de mulheres.

Takaichi tem a intenção de instituir políticas públicas principalmente em relação à saúde das mulheres. No entanto, ela apoia a sucessão exclusivamente masculina na família imperial e é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a alteração da lei do século 19 que exige que casais tenham o mesmo sobrenome – do marido, no caso.

Takaichi apoia ainda o financiamento para saúde feminina e tratamentos de fertilidade como parte da política do PLD de manter as mulheres em papéis tradicionais de boas mães e esposas. Mas também reconheceu suas dificuldades com sintomas da menopausa e destacou a necessidade de educar os homens sobre saúde feminina para apoiar as mulheres na escola e no trabalho.

Economia também é um desafio

O declínio demográfico e a recuperação da economia japonesa, a quarta maior do mundo, também são desafios inerentes ao governo da nova primeira-ministra. Seguindo o exemplo de seu mentor, o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, Takaichi já se manifestou a favor do aumento da despesa pública para reanimar a economia, e sua vitória impulsionou a bolsa de valores de Tóquio, fazendo-a atingir níveis recordes.

Recuperar a popularidade do PLD também está na pauta de Takaichi, já que o partido sofreu uma série de derrotas eleitorais recentes que levaram à ascensão do Sanseito, um pequeno partido populista de ultradireita, que classifica o influxo de migrantes no Japão como uma “invasão silenciosa”.

Em relação às tarifas impostas por Trump a vários países, a exemplo do Japão, ela afirmou que não hesitará em pressionar por renegociações com os EUA se o acordo for implementado de forma considerada prejudicial ou injusta.

“Embora se espere um certo estímulo fiscal, é improvável que seja ousado, dadas as dificuldades da gestão política. É provável que se evite uma desvalorização acentuada do iene, persistindo uma ligeira pressão sobre a moeda”, prevê Hirofumi Suzuki, estrategista-chefe de câmbio do Sumitomo Mitsui Banking Corporation, um banco multinacional e de serviços financeiros.

Ponderação com a China

Ex-ministra da Segurança Econômica, Takaichi já foi uma crítica ferrenha da China e de seu fortalecimento militar na Ásia-Pacífico. Recentemente, no entanto, mostrou-se mais ponderada sobre os chineses e, consequentemente, à relação entre os dois países.

Um exemplo disso foi a sua ausência em um festival no santuário Yasukuni, que ela costumava visitar regularmente e que homenageia criminosos de guerra condenados, além de 2,5 milhões de mortos em batalhas. Em contrapartida, Takaichi segue apoiando Taiwan. Em abril, durante uma visita à ilha, ela afirmou que era “crucial” fortalecer a cooperação em termos de segurança entre Taipei e Tóquio.

A professora de ciências sociais da Universidade Waseda, em Tóquio, Mieko Nakabayashi, diz que a atuação de Takaichi no cenário internacional é uma incógnita. “Ela nunca lidou diretamente com assuntos externos. Por isso, é difícil prever sua abordagem. Ela fez comentários que agradam à direita, prometendo visitar Yasukuni e adotando uma postura dura em relação à Coreia do Sul, mas ainda não se sabe se ela manterá essa postura. Pode ser mais uma questão de angariar votos da direita do que de convicção. Se ela cumprir suas promessas, a segurança do Japão pode ser ameaçada”, avalia.

A nova premiê tem ainda uma visão revisionista da história e resiste a reconhecer as agressões e atrocidades japonesas durante a guerra, além de negar que tenha havido coerção contra trabalhadores coreanos e mulheres mantidas como escravas sexuais por tropas japonesas. Ela chegou a participar de uma campanha para remover referências à escravidão sexual dos livros escolares.

(AFP, AP, Reuters, Lusa)