"Jenny"Kairos" de Jenny Erpenbeck desbancou livro do brasileiro Itamar Vieira Junior no International Booker Prize.Poucos alemães sabem quem é Jenny Erpenbeck. No entanto, a escritora alemã se tornou conhecida para além das fronteiras de seu próprio país, acumulando uma série de premiações internacionais. A mais recente foi anunciada nesta terça-feira (21/05): seu romance Kairos venceu o International Booker Prize – a premiação britânica voltada para obras de ficção traduzidas para o inglês. O livro superou Torto Arado, do brasileiro Itamar Vieira Junior.

Os livros de Erpenbeck foram traduzidos em mais de 30 idiomas e ela conquistou admiradores ao promover seu trabalho em países como México, Uzbequistão e Índia.

Erpenbeck, no entanto, não é totalmente desconhecida em seu país – muito pelo contrário. Ela possui um público fiel e atrai a atenção da mídia ao receber quase todo ano um prêmio literário diferente.

Publicado em 2021, Kairos já foi agraciado com vários prêmios, embora tenha sido ignorado pelo Prêmio do Livro Alemão e pela premiação da Feira do Livro de Leipzig. A versão da obra para o inglês, traduzida por Michael Hofmann, vem sendo aclamada além das fronteiras alemãs.

Essa discrepância talvez se dê pelo sentimento de Erpenbeck de que o muro que dividia a Alemanha Oriental da Ocidental nunca tenha verdadeiramente caído, e que as perspectivas culturais do oeste do país continuam a dominar o discurso público.

Temática do Leste da Alemanha

Erpenbeck nasceu na antiga Berlim Oriental em 1967. Ela tinha 22 anos quando o muro de Berlim foi derrubado. Pouco depois, o país no qual ela havia crescido, a antiga República Democrática Alemã (RDA), simplesmente deixou de existir e ela se viu em uma nova nação, a República Federal da Alemanha, na qual não havia real interesse na história da RDA.

Kairos aborda justamente o fim da RDA. Em entrevista à revista semanal do jornal alemão Die Zeit, Erpenbeck afirmou não ser coincidência o fato de seu livro não receber muita atenção na Alemanha, até porque nenhum dos jurados das principais das principais premiações literárias alemãs no ano em que a obra foi publicada nasceu na antiga Alemanha Oriental. "Eu também não estou interessada nos seus problemas", afirmou a escritora na entrevista.

Kairos trata das turbulências da vida. É a história de um amor tóxico ambientada nos últimos dias da RDA. Os dois amantes são uma jovem e um homem 34 anos mais velho, um ex-nazista que se tornou um comunista zeloso. É também a história de artistas que viviam em um Estado que promovia uma censura onipresente, o que exigia que as críticas fossem sutis e feitas às escondidas.

O romance retrata como os personagens viveram a transição de um regime comunista-socialista para um sistema de livre mercado – um verdadeiro terremoto que sacudiu a forma como eles se enxergavam. O rompimento entre os amantes captura a instabilidade que eles enfrentavam enquanto seu mundo entrava em colapso.

Erpenbeck retratou de maneira poderosa o fim da RDA, que ela própria sentiu na pele. Em 2018, em artigo publicado na revista feminina alemã Emma, ela escreveu que "a liberdade não foi um presente. Ela tinha um preço, e esse preço era minha vida anterior. O preço era que o que chamávamos de presente que passou a ser chamado de passado […] Desde então, minha infância pertence a um museu".

Escrever, uma tradição de família

Antes de começar a escrever, Erpenbeck aprendeu o ofício de encadernadora. Posteriormente, ela trabalhou com teatro, como cenógrafa e diretora. Contudo, foram as páginas, e não os palcos, que a cativaram.

Escrever é algo que faz parte da história de sua família. Dois de seus avós era escritores. Seu pai, John, era um físico com diversos livros publicados.

O primeiro livro de Erpenbeck, Geschichte vom alten Kind (Histórias da criança idosa, em tradução livre), de 1999, foi visto por muitos como uma alegoria da desorientação que os cidadãos da RDA vivenciaram após seu país deixar de existir. O romance conta a história de uma garota encontrada na rua e que parece não ter memória e passado.

Nada é para sempre

A inconstância é um tema recorrente na obra de Erpenbeck. Em seu romance de 2008, Visitação, os moradores de uma mesma casa atravessam diversos períodos de agitação social: a República de Weimar, o Terceiro Reich, a Segunda Guerra Mundial, a RDA, a transição para a democracia e o período seguinte a esse processo.

Seu bestseller de 2015, Vai, foi, foi, que trata da situação desesperançosa dos requerentes de asilo em Berlim, foi indicado para o Premio do Livro Alemão. Sua tradução em inglês concorreu ao International Booker Prize de 2018.

Erpenbeck e a tradutora Susan Bernofsky receberam o Prêmio de Ficção Estrangeira Independente – o predecessor do International Booker Prize – em 2015 por O Fim dos Dias, um romance que especula como a vida de uma menina teria sido se ela não tivesse morrido ainda na infância.

Erpenbeck se tornou a primeira escritora alemã a vencer o International Booker Prize, pelo qual a escritora e o renomado tradutor Michael Hofmann receberam 50 mil libras (cerca de R$ 325 mil). O livro também é a primeira obra alemã a levar o prêmio.

O título do livro vem do idioma grego antigo e se refere ao deus da oportunidade e da sorte; das coisas que vêm no momento certo, o que parece ser um bom augúrio para Erpenbeck.