País registra menor número de filhos por mulher da história e se aproxima do patamar da UE. Previdência e saúde sofrerão pressão, mas ensino e "economia prateada" podem se beneficiar.Ter filhos é algo que não está nos planos de Ana Flávia Yarid, de 38 anos. A gerente de contratos conta que ser mãe nunca foi um sonho para ela, e essa hipótese se afastou em definitivo nos últimos anos devido ao seu estilo de vida como nômade digital.
"Sempre tive o sonho de conhecer o mundo, há alguns anos abri mão do meu apartamento, comecei a trabalhar remoto e a viajar por diversos países. Foi viajando que percebi que a maternidade realmente não se encaixa na minha vida", diz.
Mulheres como Ana Flávia, que optam por não terem filhos, são cada vez mais comuns. Prova disso é que a taxa de fecundidade no Brasil atingiu o menor patamar já registrado: 1,55 filho por mulher, segundo dados do Censo de 2022 divulgados nesta sexta-feira (27/06).
O número de nascimentos vem caindo ano a ano. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base nos registros cartorários de 2023 aponta que aquele ano foi o quinto consecutivo de redução do número de recém-nascidos: 2,52 milhões, 0,7% menos que no ano anterior.
Em relação à média registrada nos cinco anos anteriores à pandemia de covid-19, de 2015 a 2019, o número de nascimentos em 2023 foi 12% menor. Na série histórica divulgada pelo IBGE, o número de nascimentos em 2023 foi o menor desde 1976.
Com isso, a taxa de fecundidade do Brasil se aproxima de um patamar similar ao de países europeus, nos quais o envelhecimento populacional desafia sistemas previdenciários e de saúde. Na União Europeia, a taxa foi de 1,38 filho por mulher em 2023.
A projeção é que o crescimento da população brasileira deve se estagnar em 2041, com um pico de cerca de 230 milhões de habitantes, e entrar em declínio a partir daí. Em 2070, o país deve ter cerca de 199 milhões de pessoas, número inferior ao atual, e 1,5 milhão de nascimentos ao ano.
Por que a população está encolhendo
A tendência está relacionada a uma série de transformações sociais, econômicas e demográficas que o país vem enfrentando e que se aprofundarão nas próximas décadas.
Entre os principais fatores que influenciam a queda na taxa de fecundidade, estão a maior inserção da mulher no mercado de trabalho, o alto custo de vida, o maior acesso a meios contraceptivos e também a maior autonomia das pessoas para investir em projetos pessoais que não incluem filhos.
"Na sociedade moderna, ter filhos é muito caro e exige gastos como com educação, lazer e alimentação. Aliado a isso, as pessoas passam a ter outros desejos de consumo como casa, bens duráveis, lazer, entre outros. Então as famílias ponderam isso e estão buscando ter menos filhos para ter melhor qualidade de vida", diz Alisson Flávio Barbieri, professor de demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Foi justamente a questão financeira que fez a jornalista Bruna Nascimento, de 34 anos, optar por ter "apenas" dois filhos. Ela afirma que sempre sonhou em ser mãe e ter a casa cheia de filhos – ela gostaria de ter ao menos quatro – mas o alto custo de vida e a falta de uma rede de apoio próxima a fizeram mudar de ideia.
"É muito caro viver em São Paulo. Mesmo no interior o custo de vida é alto. Hoje me vejo diante de escolhas no planejamento familiar: ou ter mais filhos ou planejar outros sonhos, como casa e viagens. Como já tenho dois, escolho seguir outros sonhos. Brinco que se ganhasse na loteria eu teria mais dois filhos", diz.
Além do número de filhos, a idade das mulheres no momento da maternidade também vem mudando. Em 2000, a idade média de fecundidade era de 26,3 anos. Em 2020, subiu para 26,8 anos, e em 2022 foi de 28,1 anos, segundo o último Censo. O adiamento está relacionado ao desejo de estabilidade financeira, à conclusão dos estudos e à busca por crescimento profissional.
Previdência e saúde pública sob pressão
Daqui a duas décadas, projeta-se que haverá mais pessoas com 65 anos ou mais do que crianças e adolescentes com menos de 15 anos no Brasil. Um cenário que impõe desafios a médio e longo prazo, principalmente para os sistemas de previdência social e saúde pública, que precisarão se adaptar a uma população mais velha e com menos contribuintes ativos.
O sistema previdenciário brasileiro, que funciona com base em um modelo de repartição, no qual as contribuições dos trabalhadores ativos financiam os benefícios dos aposentados e pensionistas, provavelmente terá que passar por adequações para que siga funcionando com menos mão de obra ativa.
"Há a necessidade de readequação no sistema de saúde para lidar com comorbidades típicas de população envelhecida, como doenças crônicas. Precisará de mais profissionais capacitados e equipamentos para isso", afirma Barbieri. Por outro lado, diz, haverá menos crianças nas escolas públicas, reduzindo o número de vagas necessárias.
Mas nessa jornada o Brasil ainda terá muito a aprender com países de baixa taxa de natalidade, como o Japão, que tem taxa de fecundidade de 1,15 filho por mulher. "É um país rico e tecnologicamente muito avançado, com uma elevadíssima expectativa de vida ao nascer, com um sistema educacional de alta qualidade, com baixas taxas de mortalidade por causas externas como acidentes de trânsito e homicídios e que tem mantido o crescimento da renda per capita mesmo com o decrescimento populacional", diz.
O lado positivo da queda populacional
José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e pesquisador aposentado do IBGE, afirma ver aspectos positivos nessa tendência.
"A redução do contingente de pessoas na base da pirâmide favorece a ampliação das matrículas escolares, a melhoria da qualidade do ensino, os cuidados com a saúde e a inserção produtiva no mercado de trabalho", diz. "E gerações menores facilitam o processo de adaptação às consequências da crise climática e ambiental que deve se agravar nas próximas décadas e séculos."
Ele avalia que o envelhecimento populacional não deve ser visto apenas como um obstáculo, e também pode gerar oportunidades "se as políticas públicas, a iniciativa privada e a sociedade civil abandonarem a percepção de que a população idosa é um fardo para o sistema produtivo". "O combate ao etarismo e o investimento no potencial das gerações com 50 anos ou mais são fundamentais para aproveitar a base da economia prateada."
A economia prateada, embora ainda em processo de consolidação como conceito, refere-se ao conjunto de atividades econômicas relacionadas à população idosa, considerando seu consumo, trabalho e contribuição social.
Ele aponta que o investimento em tecnologia e automação pode ajudar a aumentar a produtividade econômica, transformando setores, criando novas oportunidades e compensando a escassez de mão de obra. "Por exemplo, a inteligência artificial pode automatizar tarefas repetitivas e rotineiras, liberando os trabalhadores humanos para focar em tarefas mais complexas e de maior valor agregado", diz.
Já nos cuidados de saúde e na assistência aos idosos, onde a demanda aumentará devido ao envelhecimento populacional, a tecnologia poderia ajudar no diagnóstico precoce de doenças, monitoramento de pacientes e administração de medicamentos, reduzindo a carga sobre médicos, enfermeiros e cuidadores, afirma.
"Mas para garantir que os avanços tecnológicos beneficiem a maioria da população e não apenas uma elite, é importante garantir o funcionamento de instituições fortes e inclusivas, possibilitando que uma menor taxa de fecundidade garanta um futuro mais próspero e equitativo para todas as pessoas", finaliza Alves.