O “day after” para o governo Bolsonaro é cruel. As urnas mostraram que o carisma do presidente derrete e seus apoiadores levaram um sonoro “não” dos eleitores. Ele ingressa na segunda metade de seu mandato enfraquecido, diante de uma crise fiscal explosiva que ameaça o teto de gastos e mina a confiança dos investidores. O desemprego em alta e o fim do auxílio emergencial exigem grande articulação no Congresso e ações firmes para evitar o apagão da máquina pública e o agravamento do drama social. O real se desvalorizou mais de 40% este ano e os preços sobem nos supermercados. O crescimento do PIB no terceiro trimestre (7,7%), ainda que recorde, veio abaixo do esperado e não garante a recuperação da economia. Nem a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2021 foi aprovada. Mas, com as urnas fechadas, o presidente continuou paralisado e se limitou a estimular no final do ano legislativo pautas secundárias, como os programas Casa Verde e Amarela e BR do Mar, dos ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura). Enquanto isso, o ministro Paulo Guedes prometeu pela enésima vez impulsionar as privatizações, ainda que o governo tenha conseguido apenas a façanha de criar mais duas estatais, inchando ainda mais a administração pública. Agora, Guedes diz que serão nove até o final de 2021, incluindo os Correios e a Eletrobras. Não importa. O mercado já não dá bola para suas promessas. Por enquanto, confia nele apenas como um anteparo conveniente para evitar que Bolsonaro tome medidas desatinadas na economia, abrindo a via da irresponsabilidade fiscal que pode reviver os anos Dilma.

CRISES Paulo Guedes continua prometendo retomada econômica e privatizações, mas o mercado não confia mais. Enquanto o mundo respira aliviado com a chegada da vacina, o general Eduardo Pazuello (abaixo) tenta justificar a falta de iniciativa (Crédito:Pedro Ladeira)

Com um apoio popular minguante, o presidente terá que se fiar no grupo político fisiológico que adora apoiar governantes fracos e não hesita em abandoná-los quando estão sem futuro. As eleições de 2020 tornaram Bolsonaro ainda mais refém do Centrão, cujos partidos cresceram nas últimas eleições. Bolsonaro se aproximou deles para evitar o impeachment. Para tentar a reeleição, precisará inclusive de uma dessas legendas para se filiar, pois a aposta na sua própria agremiação, o Aliança pelo Brasil, naufragou. Dependerá do Centrão para manter uma pauta mínima no Legislativo. A escolha da nova cúpula do Congresso será crucial para isso, mas os sinais são péssimos para o mandatário. Ele aposta no líder do Centrão, Arthur Lira, para ter um aliado na presidência da Câmara. Mas o deputado do PP não tem conseguido angariar apoio suficiente para a eleição de fevereiro. É investigado por corrupção no STF e, segundo o Ministério Público Federal, operou um esquema milionário de rachadinha na Assembleia Legislativa de Alagoas (esse crime parece ser uma predileção do bolsonarismo). Se Rodrigo Maia conseguir o aval do STF para ser reconduzido à presidência da Casa, haverá a continuidade do parlamentarismo branco que marcou o primeiro mandato de Bolsonaro. Ou seja, o presidente continuará a reboque da agenda política pautada pelo Legislativo — e isto, essencialmente, pela sua inação e incapacidade de articulação. O cenário não será muito diferente se o novo presidente da Câmara for Baleia Rossi (MDB), provável candidato do campo centrista no caso de Maia ser impedido de concorrer à reeleição.

Sem reformas

De qualquer forma, as mudanças essenciais para a retomada econômica dificilmente vão deslanchar. O atual presidente da Câmara é inimigo figadal de Guedes. Praticamente nenhum projeto do titular da Economia caminha na Casa, e Maia coloca toda a culpa no Posto Ipiranga — a começar pela sua tentativa desesperada de aprovar a nova CPMF, o imposto do cheque, para diminuir o rombo fiscal. Maia, por outro lado, aposta na aprovação da Reforma Tributária, que é de difícil execução por mexer com uma teia complexa de interesses federativos. Se conseguir aprová-la, conseguirá uma marca poderosa para sua gestão, que já conta com a aprovação da Reforma da Previdência em 2019 — a única grande transformação estrutural da era Bolsonaro. Maia diz que já há 320 votos para aprovar a Reforma, acima do mínimo necessário (308). Essa PEC, se for de fato confirmada, dará um impulso importante de confiança ao mercado, o que a equipe econômica já não consegue fazer.

Bolsonaro ainda tem a desastrosa gestão da pandemia diante de si. As vacinas chegam aos outros países e trazem enorme alívio, enquanto o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) se perde em explicações estapafúrdias para a falta de iniciativa do governo. É pouco provável que o mandatário consiga superar a crise sanitária preservando sua imagem. Sem condições de financiar o novo Bolsa Família, Bolsonaro terá cada vez mais a tentação de furar o teto de gastos para financiar obras populistas. Falta coerência. A população não vai mais engolir disparates como a transmissão de energia sem fio ou a revolução do nióbio. Nem vai mais tolerar crises artificiais que servem para mascarar a realidade. Bolsonaro terá o ônus de ser governo para concorrer de novo. Não é mais um franco-atirador que pode culpar Brasília e os políticos por todas as mazelas do País. Precisará prestar contas de suas realizações. O problema é que elas são pífias.