Uma série de saques a supermercados e lojas na Argentina, supostamente organizados por grupos de bairros populares, deixou quase 200 detidos e alimenta o debate político em meio a uma disparada inflacionária a 60 dias das eleições gerais de outubro.

1) O que aconteceu?

Os incidentes ocorreram entre a última sexta-feira e esta quarta-feira (23).

Grupos supostamente auto-convocados pelas redes sociais forçaram a entrada em supermercados e outros estabelecimentos. Roubaram e causaram destruição nas províncias de Buenos Aires (a mais populosa, quase 40% do total do país), Mendoza (oeste), Córdoba (centro), Neuquén (sudoeste) e Río Negro (sul).

Uma loja na capital também foi alvo de um ataque, que conseguiu ser repelido por vizinhos.

De acordo com relatórios oficiais divulgados em coletivas de imprensa, foram 150 tentativas de saques e 94 pessoas detidas em bairros da periferia da capital.

Em Mendoza, foram 66 presos. “São criminosos que agem de forma organizada, com a participação de menores de idade”, segundo o comunicado do governo.

O promotor de Córdoba, Ernesto de Aragón, informou que “foram presas 23 pessoas por diversos ataques a comércios”.

Também foram registradas mais de uma dezena de detenções em Neuquén e Río Negro.

2) A quem se atribuem os ataques?

Raúl Castells, líder de um movimento de ideologia nacionalista de direita, disse ao canal TV Crónica: “Eles estão saindo em busca de comida e se não encontrarem comida, nós, que somos os que estamos convocando isso (saques), estamos dizendo a eles que, sem roubar dinheiro ou quebrar nada, levem o que puderem para trocar por comida”.

A equipe de checagem da AFP identificou a circulação de vídeos, nas redes sociais, de saques que não correspondem ao momento atual.

Embora isolados, os acontecimentos remetem aos saques violentos registrados durante os governos dos sociais-democratas Raúl Alfonsín, em 1989, e Fernando de la Rúa, em 2001. No entanto, as tentativas reais de saques e roubos foram confirmadas pela polícia e pela imprensa.

Segundo o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, “vizinhos e vizinhas não participaram em massa nisso”, destacando que “muitos moradores tentaram impedir que os violentos realizassem essas ações”.

3) Qual foi a reação do governo e da oposição?

Gabriela Cerruti, porta-voz do presidente peronista Alberto Fernández, que não concorre à reeleição, disse à rádio Futurock que os candidatos presidenciais dos partidos La Libertad Avanza (extrema direita), Javier Milei, e Juntos por el Cambio (direita), Patricia Bullrich, “constroem seu discurso público com base no desejo que têm de que a democracia se desestabilize”.

No entanto, o ministro da Segurança do governo, Aníbal Fernández, afirmou que “o que aconteceu não pode ser atribuído a fulano ou sicrano”.

Já para Milei, o candidato mais votado nas primárias de 13 de agosto (30% dos votos), “é trágico ver novamente depois de 20 anos as mesmas imagens de saques que vimos em 2001. Pobreza e saques são duas faces da mesma moeda”, compartilhou nas redes sociais.

Bullrich, que ficou em segundo lugar (27%), disse à rádio Rivadavia: “Precisamos de ordem e restaurar a autoridade”.

4) Em que contexto ocorrem os ataques?

Com uma das inflações mais altas do mundo – mais de 100% em comparação ao mesmo período no ano anterior -, a Argentina vê o índice de pobreza chegar a 40%.

Uma desvalorização de 21% foi acordada há 10 dias com o Fundo Monetário Internacional para desbloquear os desembolsos de um programa de crédito de US$ 44 bilhões (R$ 217 bilhões na cotação atual), disse o ministro da Economia e candidato presidencial pró-governo, Sergio Massa.

Seguiu-se uma enxurrada de reclamações da população após a revisão dos preços em 30%.

Segundo consultores, o custo de vida deve chegar aos dois dígitos em agosto e setembro.

Nesta quarta (23), um porta-voz do ministro da Economia argentino informou que a diretoria executiva do FMI “aprovou o desembolso de 7,5 bilhões de dólares” (36,7 bilhões de reais), correspondentes à quinta e sexta revisões do acordo do Fundo com a Argentina.

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