Quase 80 mil papiros em árabe esperam para serem decifrados e digitalizados em um projeto internacional na Biblioteca Nacional de Viena. Com cerca de 180 mil rolos, que abrangem 3.000 anos, de 1.500 antes de Cristo a 1500 depois de Cristo, a coleção de papiros de Viena é uma das maiores do mundo e está incluída na lista da Unesco como patrimônio histórico documental da humanidade. As informações são da EFE.
“Ainda que não se saiba quantos há no Cairo, pode-se dizer que a coleção de papiros de Viena tem o maior número de textos [dessa época] em árabe do mundo: cerca de 80 mil documentos, dos quais até agora apenas 800 foram lidos”, conta Bernhard Palme, diretor do Museu do Papiro de Viena. Segundo Palme, o interesse internacional pelas raízes da cultura árabe “cresceu por causa da chamada Primavera Árabe e de todo o movimento que surgiu”.
Para o papirólogo, o que esta coleção tem de especial é que contém documentos que datam dos primeiros séculos do domínio árabe. Um exemplo é o papiro em língua árabe mais antigo que se conhece no mundo: um recibo da entrega de 65 ovelhas para soldados do exército árabe, emitido em 25 de abril de 643, ou seja, “um ano e meio somente após a conquista do Egito” e 11 anos após a morte de Maomé. O papiro está escrito em árabe e grego, o que mostra que, naquela época, ambos os idiomas conviviam no império, assim como a língua copta, explica Palme.
O especialista lembra que o mundo científico conta com uma “maravilhosa” historiografia árabe sobre a época da conquista árabe, no ano 640, da Palestina, Síria, Egito e Iraque, mas o problema é que ela foi escrita cerca de 400 anos depois dos eventos.
“O que queremos ter são documentos provenientes dessa mesma época. E há em grandes quantidades entre os papiros. Por isso o esforço de encontrar esses documentos antigos, digitalizá-los, estudá-los e publicá-los”.
Embora os papiros contenham apenas pequenos mensagens curtas, que não oferecem um grande panorama histórico, “com eles se pode entender muitas coisas sobre o domínio, sobre a comunicação, a atividade dos primeiros administradores”, avalia.
Catedrático de Papirologia da Universidade de Viena, o especialista acrescenta que, por enquanto, não foi encontrado nenhum documento que revele se as normas de comportamento ou vestimenta para homens e mulheres que hoje são impostas em algumas culturas árabes, como a burca, têm uma origem tão antiga.
“O que aparece primeiro são documentos administrativos e cartas de negócios”, por isso as descobertas que têm sido feitas estão mais relacionadas aos “assuntos de impostos, cartas privadas, de negócios. Mas nada de tratados teóricos sobre o tratamento das mulheres”, disse Palme. “Apesar disso, tendo em vista o tesouro que ainda resta para ser descoberto neste museu, não se pode descartar que os cientistas acabem encontrando alguma coisa”, destaca.
O objetivo final do projeto, criado há quatro anos em Viena, é oferecer acesso on-line a cerca de 15 mil papiros e poder, assim, convidar arabistas de todo o mundo a ler e decifrar os mistérios destes documentos. “Quando muitas centenas e milhares desses textos forem publicados, a nossa imagem será cada vez mais completa”, ressalta Palme.