Com uma sociedade cada vez mais conectada e preocupada com o meio ambiente e a causa animal, o uso de peles verdadeiras virou uma questão identitária, política e também de estilo. Tidos como símbolo de elegância e riqueza do passado, os casacos de pele são hoje sinônimo apenas de crueldade contra os animais. Grifes como Prada, Chanel, Gucci e Bottega Veneta já não usam o produto em suas coleções e as que ainda possuem peles em seus catálogos – como a italiana Dolce & Gabbana – colocaram um prazo para encerrar a produção. Até o final do ano, das gigantes das semanas de moda, apenas a Fendi deverá manter uma pequena linha com pelagem animal.

A vitória dos ambientalistas, principalmente do grupo PETA, a organização global “People for the Ethical Treatment of Animals”, conhecida por seus protestos nas passarelas e nas ruas de Paris, Nova York e Londres não significa, contudo, que o estilo “peludo” tenha saído de moda. As peles falsas, ou “fake fur”, em inglês, perderam a cara de “ursinho de pelúcia” e são imitações de alta qualidade, usadas com orgulho pelas principais celebridades do planeta.

No último desfile da francesa Yves Saint Laurent, em Paris, as peles falsas foram as protagonistas, chamando a atenção pela quantidade das peças apresentadas e também pela qualidade que davam às composições de inverno da marca. A atriz e modelo norte-americana Hailey Bieber chegou ao evento, que foi realizado em frente à Torre Eiffel, já usando uma das peças que seriam apresentadas na noite: um longo casaco marrom que deslizava em suas curvas e pernas à mostra. A influenciadora Kim Kardashian também adotou a mudança, algo surpreendente já que ela e as irmãs famosas foram alvos de protestos por usarem o item no passado. Até mesmo as brasileiras Camila Coelho e Marina Ruy Barbosa abraçaram a causa. Marina, atriz que também possui a própria marca de roupas, usou uma estola branca para passar a virada do ano no frio dos Estados Unidos. Ao publicar o visual para seus 39 milhões de seguidores, fez questão de escrever “Fake fur, claro”. A repercussão foi tanta que a conta oficial da PETA na América Latina comentou: “O casaco de pele sintética colocou esse visual em outro nível. Adoramos como você mostra às pessoas como é fácil e moderno deixar para trás as peles de animais”.

Embora ainda existam muitas peles exóticas deslizando pela indústria, a geração Z tem sido uma força motriz para que as marcas abandonem as peles e até quem possui casacos verdadeiros no guarda-roupa, prefere apostar nas versões sintéticas. Esse é o caso da funcionária pública federal Daniela Marques, de 41 anos. Ela diz que possui uma peça de pelo de coelho, mas que nunca a usou. “Não me sinto bem, é uma sensação estranha, não tenho coragem de sair na rua”, diz. Daniela, porém, resolveu a questão comprando dois casacos de “fake fur” em sua última viagem para Paris, antes da eclosão da pandemia. “É quente, protege do frio e todo mundo usa por lá”, explica.

As versões sintéticas, apesar de não envolverem crueldade animal, não são uma salvação do meio ambiente. A estilista têxtil e pesquisadora de tecidos sustentáveis da “Brazilian Fashion Lab”, Thamires Pontes, afirma que esses tecidos são feitos de plástico e, por isso, danosos ao meio ambiente. “As peles fakes são feitas com fibras de acrílico e de poliéster. Esses materiais contêm polímeros derivados do petróleo e foram feitos para durar para sempre”, diz. Ela explica que quem quer pensar a sério em sustentabilidade precisa adotar os tecidos feitos com algas e cogumelos, por exemplo.

A personal stylist e professora de Moda da Fundação Armando Álvares Penteado, Rita Heroína, de 45 anos, diz que em nove anos trabalhando no ramo, não teve clientes que buscaram por peças verdadeiras. “Nunca foi uma pauta das minhas clientes, não é algo que representa luxo ou poder. As coisas mudaram bastante, muitas delas querem apenas usar marcas veganas. As pessoas usam a pele como acessório de festa e a artificial é a melhor opção, principalmente pelo preço”, explica. Com o fim da procura, será realmente o fim da oferta?

Capricho da rainha

Pool/Tim Graham Picture Library

A rainha Elizabeth II, que participou de caça e tiro durante toda a sua vida, revelou no final de 2019 que pararia de usar peles verdadeiras em seus compromissos oficiais. A informação partiu da própria estilista da monarca, Angela Kelly: “Se Sua Majestade for a um local em clima particularmente frio, peles falsas serão usadas para garantir que ela permaneça aquecida”. O palácio de Buckingham confirmou a informação, mas ressaltou que peles verdadeiras ainda poderão ser vistas na rainha em alguns eventos muito especiais.