A justificativa é sempre a mesma: vontade de “proteger a filha”. O argumento usado por alguns pais para controlar a carreira de artistas famosas tem sido usado com outro objetivo: manter o controle sob suas fortunas. Isso até pode acontecer com artistas masculinos, mas o histórico é bem menor. O caso que tem recebido a maior atenção do público atualmente é a batalha judicial entre a cantora americana Britney Spears e seu pai, Jamie Spears. Mas ele está longe de ser o único: diversas artistas precisam lidar com relações complexas e abusivas desde que entraram para o mundo do showbiz.

Sob tutela judicial do pai desde 2008 após apresentar sérios episódios de bipolaridade, Britney garante que, treze anos depois, ela está bem e pode voltar a comandar a sua vida. Para a Justiça, no entanto, seu pai ainda tem o direito de gerir sua fortuna e tomar decisões básicas do dia a dia por ela, como definir a decoração da sua cozinha, o acesso à internet ou até mesmo determinar se a mulher de 39 anos pode passear de carro sozinha com o namorado. Ela luta contra a decisão, mas outra cantora não teve a mesma sorte: a britânica Amy Winehouse sucumbiu à ganância do pai, Mitchell Winehouse, que a fez subir ao palco mesmo quando ela estava visivelmente incapaz, doente e extremamente magra. Amy não queria mais cantar, mas seu pai a forçava dizendo que precisava manter os contratos — e o dinheiro entrando. Com intoxicação alcóolica e exaustão, Amy morreu em 2011, aos 27 anos. A questão chegou ao Brasil: Ludmilla, uma das cantoras mais populares da atualidade, precisou entrar com uma medida protetiva contra seu pai, Luiz Antônio Silva, para que ele não possa se aproximar fisicamente dela.

Meghan Markle, a duquesa de Sussex, foi humilhada diversas vezes por um pai sedento por fama e dinheiro. Thomas Markle ainda não se cansou de dar entrevistas revelando intimidades da filha — e até inventando que ela seria uma “entidade do mal sedenta pela fama”. Quando Meghan enviou uma carta de próprio punho, pedindo respeito, falando sobre afeto e a possibilidade de terem alguma relação pacífica, o pai não pensou duas vezes. Vendeu a carta aos tablóides britânicos, que usaram cada vírgula do relato para difamar a duquesa. Deprimida, ela e o marido, o príncipe Harry, abandonaram a família real e foram morar nos Estados Unidos.

Para a psicóloga Manuela Freitas, a relação entre pai e filha na infância e adolescência pode definir como a futura mulher irá se comportar no decorrer da sua vida. “Muitas crianças e adolescentes se culpam quando um dos pais não é presente”, diz. O sentimento de rejeição é automático quando não é suprido por outro membro da família, como a mãe ou uma avó. O pai de Ludmilla, por exemplo, passou 16 anos preso. Quando foi solto, a cantora quis ajudá-lo financeiramente sem que a mãe soubesse. “É natural que uma filha busque a aprovação dos pais. O problema ocorre quando há abuso de poder e o pai percebe que pode exercer esse controle”, explica Manuela.

Amy Winehouse gastou grandes fortunas comprando casas de luxo que nem gostaria de ter para satisfazer os desejos e a ambição do pai. No documentário “Amy”, indicado ao Oscar em 2015, o público pode ter uma perspectiva da vida — e da morte — da jovem que acabou sufocada por seu próprio sucesso. Seu melhor amigo, Tyler James, acaba de lançar o livro “Minha Amy”, já disponível no País pela Editora Agir. Na obra, ele relata conversas absurdas com o pai da estrela. O autor detalha que Mitchell nunca se preocupava com a saúde da filha, mesmo quando Amy estava em uma clínica de reabilitação. “E se Amy nunca mais trabalhar? Nunca mais fazer turnês? E se ela nunca mais escrever um álbum?”, questionava o pai quando conversava com James, segundo relato do livro. No caso de Britney, Jamie Spears, decidiu encarnar o papel de “herói injustiçado” após ser pressionado por outras celebridades e por fãs da cantora. Em uma tentativa de se defender em meio à batalha em curso pela tutela da filha, Jamie entrou com uma petição em para suspendê-lo como único conservador.

Em um relato de quinze páginas, ele garante que fez de tudo, mas que “ninguém sabe a profundeza dos problemas da cantora”. Diz ainda que escondeu os problemas de saúde mental “altamente confidenciais” de Britney para protegê-la e que a cantora tem “vícios muito graves”. Ao final, diz que é o responsável por salvar Britney do “desastre”. Enquanto algumas artistas conseguem se livrar dos relacionamentos abusivos, outras perdem suas vidas ou passam anos sofrendo com os ataques e abusos.