“É preciso aumentar o nível de informação sobre o assunto entre os médicos” Saulo Nader, neurologista HC/SP (Crédito:MARCO ANKOSQUI)

A medicina cura o câncer, cria vacina contra novas doenças, faz pessoas paralisadas retomarem movimentos. Mas há determinadas condições que atormentam as pessoas a vida toda e que, por vários motivos, permanecem na periferia das doenças e sintomas, aquelas às quais costuma-se dar menos importância. Sentir tontura é um desses casos. É comum que todos tenham alguns episódios ao longo dos anos, mas há muita gente que sofre diariamente com a sensação de que o mundo ao redor gira ou balança e passa anos em busca de ajuda. Em geral, vão de consultório em consultório e, em quase todos, ouvem a notícia de que têm labirintite. Tomam remédios, porém sem melhora. Simplesmente porque não se trata de labirintite, mas de um tipo de tontura que pode ser curada com apenas uma manobra específica na cabeça. Alguns movimentos feitos do jeito certo e o inferno acaba. O mundo volta ao seu lugar.

Fala-se aqui de uma condição chamada Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB), responsável por 70% dos casos de vertigem. O grande problema é o enorme desconhecimento que existe entre os médicos sobre a doença e as tonturas em geral. Primeiro porque o sintoma pode ser sinal de muita coisa: há a tontura de origem clínica, como a causada por uma diabetes fora do controle, a de fundo cardíaco, que provoca queda transitória de pressão arterial, e as vertigens, como a VPPB, associadas à doenças no sistema vestibular, um conjunto de estruturas que controla o equilíbrio, a coordenação e a postura. Além da falta de informação, a maioria dos médicos não tem lá muita paciência em ir a fundo nesta queixa do paciente e prefere tratá-la como se fosse labirintite e pronto. Contrariamente ao senso comum, porém, labirintite é algo raro. Trata-se de uma infecção nos labirintos, partes do sistema vestibular que captam os movimentos da cabeça. “Ela ocorre por causa de uma complicação incomum dos ouvidos ou de uma meningite”, explica o neurologista Saulo Nader, colaborador do grupo dos Distúrbios Vestibulares e do Equilíbrio da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Integrante também da Academia Brasileira de Neurologia, Nader é um dos pouquíssimos neurologistas especializados no tratamento de tontura no Brasil. O trato da enfermidade é dividido com os otorrinolaringologistas, com maior número de especialistas mas, mesmo assim, em quantidade insuficiente para dar conta do estrago causado pelas tonturas e pela VPPB especialmente. Não há estatísticas brasileiras, mas de acordo com levantamento da Academia Americana de Otorrinolaringologia, 86% dos pacientes que sofrem dessa vertigem interrompem alguma atividade diariamente ou perdem dias de trabalho, 68% têm a produtividade reduzida e 6% deixam o trabalho por causa da doença. “Os números mostram que ela tem impacto enorme na vida das pessoas”, afirma Neil Bhattacharyya, da entidade americana.

Cura rápida

A VPPB é causada pelo alojamento no lugar errado de cristais de cálcio presentes em um líquido de consistência gelatinosa que existe no centro dos labirintos. A movimentação desse líquido permite aos labirintos captarem as informações do movimento a serem enviadas ao cérebro. São variadas as razões do deslocamento anormal dos cristais. Vão desde uma batida na cabeça até a permanência muito longa da cabeça em posição estranha, como as que ficam encanadores debaixo de pias, olhando para cima, ou dentistas quando precisam examinar e fazer procedimentos na arcada superior. “Na maioria das vezes, porém, não sabemos a causa”, explica Nader.

Diagnosticada por meio de um exame clínico, a doença pode ser curada facilmente com a aplicação da manobra Epley (nome dado em homenagem ao criador, o médico John Epley). A manipulação da cabeça recoloca os cristais no lugar e a pessoa sai do consultório sem sentir mais nada. Normalmente um procedimento basta para que a vertigem cesse inteiramente. “É a cura simples e rápida. Pena que seja tão pouco usada”, afirma o neurologista Kevin Kerber, da Universidade de Michigan (EUA). “As pessoas ouvem a vida toda que não têm nada, que precisam esperar e, pior, muitas vezes são instruídas a tomar remédio sem necessidade”, complementa o especialista. Kevin é autor de um trabalho publicado no jornal da Associação Americana de Neurologia no qual afirma que vídeos disponíveis no Youtube demonstram a manobra corretamente e podem ser usados por médicos que desejam aprendê-la. A Academia Brasileira de Neurologia também se esforça para tornar o tema mais conhecido, levando o alívio a mais gente.