Elas vivem iluminadas e mantêm seu brilho após partir, deixando acesa uma luz que não é apenas o reflexo dos holofotes que as perseguem nos palcos e nas telas. É algo que emana de sua essência quase divina – e que as tornam imortais. Assim são as divas. Assim foi Tônia Carrero, a estrela que magnetizou o Brasil por mais de seis décadas de atuações memoráveis no teatro, no cinema e na televisão. Dona de uma beleza incomum, que resistiu com serenidade à implacável passagem do tempo, a carioca nascida em 1922 estudou teatro em Paris na década de 1940 e estreou como atriz aos 25 anos. Sua ascensão ao estrelato coincidiu com período de glória da indústria cinematográfica brasileira, impulsionada pela criação da companhia Vera Cruz. Com Tônia Carrero, o Brasil foi capaz de emular o “star system”, modelo criado em Hollywood para gerar sucessos de bilheteria baseados no culto às estrelas. Contemporâneas de Tônia, as divas Ava Gardner, Rita Hayworth, Marilyn Monroe e Grace Kelly foram algumas das responsáveis por levar milhões de espectadores às salas de cinema em todo o mundo. Tônia Carrero seria capaz de fazer o mesmo, como deu provas em “Tico-tico no fubá”, filme de 1952 que competiu no Festival de Cannes, na França. A diva brasileira era assim apresentada ao mundo.

Passeata dos cem mil

Confiante em seus atributos físicos, Tônia jamais se viu refém da própria aparência. “Ser uma mulher bonita nunca atrapalha, só ajuda”, gostava de dizer, acrescentando que a “beleza abre portas, fortalece o caráter e nos torna mais condescendentes”. Depois de separada do primeiro marido, o artista plástico Arthur Thiré, com quem teve o filho Cecil, também ator, Tônia se casou com o diretor Adolfo Celi. Os dois foram parceiros também nos negócios, dividindo com Paulo Autran uma das mais influentes companhias teatrais do País, responsável por montagens de grande repercussão. No repertório, textos de Shakespeare e Sartre eram encenados com emoção e densidade, comprovando o talento da atriz e de seu parceiro de palco. A paixão pela arte dramática era vivida também nos bastidores. Tônia foi pessoalmente até o ministro da Justiça do presidente Costa e Silva, em pleno regime militar, para brigar pela liberação da peça “Navalha na carne”, de Plínio Marcos. Venceu duplamente. Sua interpretação da prostituta Neusa Suely rendeu o prêmio Molière e pôs fim a qualquer questionamento quanto ao seu desempenho em cena. No ano seguinte, 1968, Tônia marchou contra a censura ao lado de Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengell na Passeata dos Cem Mil. Sempre sedutora, era cobiçada por intelectuais e poderosos. “Eu me arrependo de não ter dado para Juscelino Kubitschek e Vinícius de Moraes”, afirmou certa vez, com sua peculiar sinceridade. “Se me importasse com o que pensam e falam de mim, não levantaria da cama”, dizia.

Parada cardíaca 

A cama da qual ela não se levantaria jamais ficava na clínica São Vicente, na Gávea, Rio de Janeiro, onde estava internada. Uma parada cardíaca na noite do sábado 3 foi a causa da morte. Tônia viveu 95 anos e havia deixado de atuar há uma década. Como as grandes estrelas de sua geração, ela alcançara a imortalidade. Sua imagem, que combina de forma rara elegância e domínio dos recursos cênicos, está entronada no nobre salão ocupado pelas divas. Tônia pode não ter sido “o animal mais lindo do mundo”, como o cineasta francês Jean Cocteau definiu a atriz Ava Gardner. Nem a libertária encarnada por Leila Diniz, a musa feminista morta aos 27 anos que entrou para a história por falar abertamente sobre suas convicções sexuais em uma época na qual imperavam repressão e moralismo. Embora tenha declarado se arrepender de não ter ido para a cama com um presidente, ela não viveu o papel da amante, como fez Marilyn Monroe com John Kennedy. E nem o da esposa real, como Grace Kelly, ao se casar com o príncipe de Mônaco. Mas o destino reservou a Tônia Carrero um lugar especial na história, que ela soube ocupar com inteligência, determinação e o eterno amor pela arte de atuar. Esse lugar permanece dela. É assim quando as divas se vão.