É noite de festa no mais importante museu de arte contemporânea de Estocolmo. Os patronos da instituição se reúnem para um banquete de gala por ocasião do balanço de mais um ano de sucesso. Antes de servir os pratos, o diretor Christian anuncia um aperitivo que combina com sua administração ousada e criativa: “Vocês serão brindados com a performance do homem-macaco, a cargo do artista russo Oleg!” Adentra o salão um homem seminu que age como um animal, para divertimento dos convivas. Escolhe um patrocinador para rosnar contra ele. Em seguida salta em uma mesa e faz micagens, quebrando copos e pratos. Então se aproxima de uma dama elegante e loira, faz caretas e, quando ela começa a sorrir, arrasta-a pelos cabelos no chão e simula um estupro. Nesse instante, os cavalheiros presentes avançam contra o artista para linchá-lo.

Eis aí uma sequência simbólica do filme “The Square: a Arte da Discórdia”, uma sátira ao mundo das artes, do comportamento civilizado e do marketing nas redes sociais. O filme do diretor sueco Ruben Östlund, em cartaz no Brasil, ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2017 e é o mais forte candidato ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Filme em Língua Estrangeira, além de concorrer ao Oscar. “Nunca pensei que um filme baseado em uma instalação de arte contemporânea fosse provocar tantas gargalhadas”, diz Östlund a ISTOÉ.

No seu quadrado

Östlund nada tem de ingênuo. Aos 43 anos, dirigiu dez longas-metragens e trabalhou como fotógrafo e roteirista, Além disso, é artista. “Tive a ideia do filme ao expor uma obra minha e de Claes Bang, intitulada ‘The Square’, em museus da Suécia e da Noruega”, afirma. A instalação consisitia num simples quadrado desenhado na calçada à frente dos museus para os passantes ocuparem como quisessem. “Descobrimos que o público é capaz das reações selvagens. O traço mais assustador do nosso tempo é que as pessoas supercivilizadas viram bichos tão logo se sentem ameaçadas.”

Bang e ele escreveram o roteiro, confrontando atitudes evoluídas e animalescas. Bang assumiu o papel de Christian, o diretor do museu, ambicioso e trapalhão. Seu mundo cai quando lhe furtam o smartphone na rua. Inconformado, rastreia o celular e invade prédios atrás do ladrão. Tem problemas ao iniciar um caso com uma jornalista de arte inglesa, Anne (Elisabeth Moss): ela divide o apartamento com um chimpanzé ciumento e despótico, avesso a seus encontros amorosos. Em meio a tantas angústias, Christian atribui a dois influenciadores digitais hipsters a missão de projetar uma campanha para impulsionar a instalação “The Square”. A “ideia genial” da dupla é produzir um vídeo em que uma menina de 1 ano é explodida por uma
bomba dentro do quadrado. Segundo eles, trata-se de um chocante “convite à responsabilidade” com poder de viralizar nas redes sociais. Animado, Christian bola o número do homem-macaco. O que não imagina é que a viralização se vira contra ele. Sem querer, passa a imagem de que a arte ataca o público.

“Os profissionais das mídias sociais operam com cinismo e fake news”, diz Östlund. “Mas não são os únicos. O espírito do tempo é o da descrença na política e no humanismo. Tudo é aparência e grana. A ética foi para os ares.”

Seu próximo filme trata do mundo dos modelos, onde as mesmas regras vigoram. “O ser humano é bem animal. Nesta selva, ser belo é como ganhar na loteria — é quase como ser rico.”

“O traço mais assustador do nosso tempo é que as pessoas
supercivilizadas viram bichos tão logo se sentem ameaçadas”

Ruben Östlund, diretor de cinema e artista plástico