“Hoje, todos os meus amigos passam em psicólogos e tomam remédios contra ansiedade” Alice, estudante (Crédito:Keiny Andrade)

Entregas de trabalhos, provas, passar de ano, tirar notas altas, escolher o que quer fazer no futuro. A volta às aulas normalmente já é uma agonia. Agora, depois de dois anos de interrupção, a situação fica ainda mais difícil. Os colegas são novos e muitos jovens perderam o hábito de falar com os outros pessoalmente. Há um clima de estranhamento com o retorno a normalidade. E, segundo especialistas, a dificuldade de comunicação é uma das principais razões do crescimento exacerbado de crises de ansiedade, estresse, agressividade e até mesmo depressão em crianças e adolescentes. Em Recife, no começo de abril, a Escola Referência em Ensino Médio (Erem) Ageu Magalhães precisou conter um surto coletivo de ansiedade em 26 alunos. Eram as primeiras provas que os estudantes estavam realizando após o retorno presencial. Segundo relatos, os adolescentes sentiram falta de ar, tremores, crises de choro e precisaram ser socorridos. “Eu ainda estava passando mal, com muita falta de ar, e chegou um momento em que eu não conseguia respirar. Puxava o ar, mas não vinha. Deitei no chão, na grama do pátio, e senti que ia morrer naquele momento”, afirmou uma das estudantes que não teve seu nome revelado. Infelizmente, os sintomas são cada vez mais comuns em crianças e jovens. Segundo pesquisa feita pelo Conselho Nacional da Juventude, 6 em cada 10 jovens de 15 a 17 anos relataram sintomas de ansiedade e uso excessivo de redes sociais durante a pandemia. Metade deles sofre com exaustão e cansaço constante, e 40% tiveram insônia ou distúrbio de peso. Um em cada 10 pensou em tirar a própria vida.

Principais sintomas

1. Mudança de comportamento: a criança se isola, não quer brincar com os colegas, e nem se relacionar com mais ninguém.

2. Agressividade: seja fisica, como atacar objetos em paredes, ou na fala, retrucando ou respondendo com raiva aos interlocutores

3. Mudança na alimentação: quando o adolescente está comendo em excesso ou quando falta o apetite

4. Baixa auto-estima: não querer se olhar no espelho, não se arrumar para ir à escola, ou usar blusões que escondem o corpo mesmo no Verão

5. Aumento no uso de telas: quanto mais tempo nas redes, maior será a descarga de dopamina, o neurotransmisor do prazer, no corpo

Auxílio profissional

Um dos pedidos dos alunos, na tentativa de melhorar e diminuir o trauma, é a presença de profissionais, como psicólogos e psicopedagogos nas escolas. Pessoas que entendam de habilidades socioemocionais e que podem conversar com esses jovens que estão sufocando dentro da classe. “As instituições precisam ter professores preparados para lidar com essas situações de conflito. Depois da pandemia isso ficou evidente. O perfil da escola também precisa mudar. As aulas necessitam ser mais participativas”, afirma a psicopedagoga Renata Aguilar, que atua com crianças e adolescentes e faz cursos e treinamentos socioemocionais com professores.

Em um de seus projetos, ela pediu para as crianças escreverem em um papel, sem se identificar, desabafos, descrevessem problemas que estavam enfrentando e que exigiam algum tipo de ajuda. Um aluno de 14 anos escreveu: “Às vezes me sinto sozinho, mesmo estando rodeado de amigos. Outro, de 13 anos, disse: “Tenho amigos que querem se suicidar dentro da escola”. Apesar do preconceito pelo qual a sociedade ainda trata a ansiedade, como se a criança estivesse com “preguiça” ou com “frescura”, o assunto é de extrema importância e os pais, cada vez mais, precisam estar atentos aos sintomas: o primeiro é a mudança de comportamento. Se a criança ou o adolescente está mais isolado, não quer brincar ou se encontrar com os amigos, há problemas. Também deve ser observada a agressividade, tanto na fala como nas ações. A falta de sono, e por último, o excesso ou a inibição do apetite, também são sintomas de crise pessoal.

Foram essas as manifestações relatadas pela estudante do primeiro ano do ensino médio, Catarina Molla. A última vez que a garota de 15 anos colocou os pés na escola foi no sétimo ano. “Foi muito estranho voltar. Todo mundo estava diferente, mais evoluído, mas também estávamos cegos. Não sabíamos mais estudar, fazer as provas sozinhos e sem consulta. A maioria dos alunos voltou depressiva e com ansiedade”, diz a menina que precisou de um acompanhamento psicológico e passou a fazer acupuntura para melhorar os sintomas de ansiedade. Ela afirma que ainda se sente ansiosa, principalmente na época de provas, mas que consegue controlar um pouco mais suas emoções com um exercício. “Eu respiro fundo, prendo a respiração por dois segundos e solto devagar. Isso me acalma bastante”, diz.

“Foi muito estranho voltar. Estávamos cegos. Não sabíamos mais estudar, fazer as provas sozinhos e sem consulta” Catarina Molla, estudante (Crédito:Gabriel Reis)

Alice, 17 anos, foi diagnosticada com depressão e ansiedade aos 13. Desde então tem o acompanhamento de um psicólogo. Para ocupar sua mente, a garota faz aulas de esporte, música e inglês. Na pandemia, ela viu todos os cursos serem cancelados sem uma previsão de retorno. “Fiquei com muito medo, preocupada e os pensamentos impróprios voltaram. Não queria sair da cama e não tinha motivação para fazer nada. Por ter ficado muito tempo em casa, travei. Não tinha mais vocabulário para falar com as pessoas, e ainda por cima precisei ir para uma nova escola onde não conhecia ninguém”, afirma. Alice diz que não teve o apoio da escola com as crises de ansiedade e depressão. Segundo ela, não há projetos e nem profissionais especializados para conversar com os alunos sobre essas questões.

A Escola da Vila, em São Paulo viu o número de estudantes com síndromes de ansiedade quadruplicar no retorno às aulas e fizeram mudanças no estilo de ensino. As provas, por exemplo, deixaram de ter um valor definitivo. “Se eles não forem muito bem, podem estudar mais um pouco e ir melhor na próxima. O tempo de avaliação aumentou e diminuímos a prova. Se o aluno estiver ansioso, com medo ou preocupado naquele dia, ele pode fazer em outra data”, afirma Vera Barrera, orientadora da escola. Outra mudança foi o acolhimento. “Qualquer criança que necessitar conversar, desabafar, contar algo encontrará nossas portas abertas. Elas vêm, choram, se acalmam, e depois, quando se sentem melhor, voltam para a sala de aula”, explica. Seja como for, a situação é crítica e se torna cada vez mais necessário para as escolas investir na contratação de profissionais especializados em saúde mental ou em cursos de habilidades socioemocionais para professores nas escolas de todo o país.

4 passos de acolhimento

1. Acalmar: entender o problema e ver que de fato ele exista para poder acolher o estudante.

2. Interlocução: estabelecer e começar um diálogo com o aluno, com os pais e com os responsáveis na escola para eventualmente buscar a ajuda necessária.

3. Normalizar: Ajudar na retomada da vida cotidiana. Promover momentos para que professores e alunos possam lidar com suas emoções, seja por rodas de conversa ou atividades artísticas.

4. Acompanhar: Facilitar com que os alunos expressem o que viveram, como estão se sentindo e o que pensam do atual cenário da pandemia, da escola, de seus colegas e de seus parentes.