A agradável casa de campo da professora de dança Ana Thomaz, no município de Piracaia, no interior de São Paulo, funciona como uma escola. Com mentalidade libertária e adepta da técnica Alexander, que propõe uma reeducação psicomotora das crianças, Ana optou por educar seus filhos em casa. O mais velho, Guto, hoje com 23 anos, pediu para sair da escola com 13. Dizia que não estava aprendendo ou evoluindo. Com as duas filhas mais novas, a situação se repetiu. Depois de poucas semanas na sala de aula, a do meio, Francisca, já não demonstrava mais interesse pela escola. Foi aí que Ana e seu marido optaram por educá-la junto com a caçula Catarina. As duas são criadas num ambiente em que todo o conhecimento é valorizado: da leitura à arte de tecido acrobático, das operações matemáticas para comprar frutas na feira à capacidade de conferir o troco. Apesar de defender a liberdade das famílias para ensinar, Ana não faz oposição ao modelo tradicional. “Não sou contra a escola, mas gosto da nossa autonomia”, diz.

SEM CURRÍCULO Em casa, a professora de dança Ana Thomaz e o marido Fábio Marcoff misturam os ensinamentos escolares com situações cotidianas em um esforço permanente para educar as filhas Francisca e Catarina. Ambas perderam o interesse pela rotina da escola (Crédito:MARCO ANKOSQUI)

A educação domiciliar é o sonho de alguns e uma realidade para poucos. Estima-se que 7,5 mil famílias eduquem seus filhos em casa atualmente no Brasil por motivos diversos. Entre as razões apresentadas pelos pais para optarem por essa modalidade educacional, segundo pesquisa da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), o principal, com 32% das respostas, é “oferecer educação personalizada”, como faz Ana. A segunda razão, exposta por 25% das famílias, é a de “princípios de fé e família” e, em terceiro lugar, está a “má qualidade do ambiente escolar”, com 23%. “Temos famílias de todos os tipos, desde anarquistas até evangélicas”, diz Ricardo Dias, presidente da Aned. Dias, que tirou seus filhos da escola com 12 e 9 anos, refuta a ideia de que a luta pela educação domiciliar tenha a ver apenas com famílias conservadoras e religiosas. Um dos princípios básicos dessa modalidade é a formação de autodidatas. Nesse sentido, preocupa-se menos em cumprir um determinado currículo e mais em criar nas crianças autonomia para adquirir conhecimento.

Medida provisória

No final de 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a educação domiciliar era ilegal, pois não havia legislação a respeito. No entanto, não apontou inconstitucionalidade na atividade. Uma das promessas para os primeiros 100 dias do governo Bolsonaro é a regularização da prática no Brasil por meio de uma Medida Provisória. O texto deve garantir, principalmente, o direito das famílias optarem por instruir seus filhos em casa, mediante acompanhamento do Estado. As críticas à educação domiciliar vão desde a falta de interação social até o uso desproporcional de forças do governo para tratar a questão. “É um gasto excessivo de esforços, já que o número de crianças atingidas será pequeno”, afirma Gabriel Corrêa, do Movimento Todos pela Educação.“Além disso, há a questão do contraditório, a possibilidade da criança conviver na escola com realidades e convicções diferentes das suas. Poucos pais seriam capazes de proporcionar essas experiências às crianças”. Esse é um risco que algumas famílias decidem correr.