Qual é o potencial do Brasil para ampliar economia circular?

Qual é o potencial do Brasil para ampliar economia circular?

"EmAproveitamento mais eficiente e duradouro dos recursos naturais é bom não só para o meio ambiente, mas também para a economia. São Paulo sedia nesta semana fórum internacional sobre o tema.Uma das estratégias para reduzir a pressão por recursos naturais e a emissão de gases do efeito estufa é a economia circular: em vez de produzir itens de uso único que viram lixo no final, priorizar itens que possam ser reaproveitados.

Nesta semana, São Paulo será o centro mundial dos debates sobre economia circular. O Parque do Ibirapuera sediará na na terça (13/05) e na quarta-feira o Fórum Internacional de Economia Circular – a primeira edição do encontro na América Latina.

Especialistas veem potencial para a economia circular no Brasil, com reflexos ambientais, econômicos e sociais, mas alertam para desafios que precisariam ser superados.

Ganhos econômicos

Na economia linear, extraem-se os recursos da natureza, que são transformados em produtos e, ao final, descartamos como lixo. Na economia circular, esse fluxo é quebrado: os produtos são pensados desde o início da cadeia produtiva para manterem os recursos extraídos da natureza em uso pela sociedade pelo maior tempo e utilidade possíveis, por meio de processos como reciclagem, reuso, reparo e aumento da vida útil.

Um estudo da Fundação Dom Cabral aponta que o Brasil gera cerca de 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano, dos quais 33,6% são recicláveis. Mas apenas de 2,4% a 8,3% desses resíduos são efetivamente reciclados, segundo diferentes levantamentos.

O resultado é uma perda econômica estimada em R$ 14 bilhões anuais, além de impactos ambientais como a sobrecarga dos aterros e o agravamento da poluição.

"Existe um potencial gigantesco de circularidade, especificamente em países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, porque a gente ainda tem uma cultura muito grande de desperdício, tanto pelas pessoas quanto pelas empresas", afirma Flávio de Miranda Ribeiro, embaixador da iniciativa Movimento Circular. "Existe o potencial na redução dos diversos tipos de desperdício."

O país também possui características especificas de sua geografia, do clima e biodiversidade que podem ser exploradas nesse modelo, incluindo formas inovadoras de práticas circulares a partir de ativos biológicos e de conhecimentos de povos indígenas e quilombolas.

"O Brasil tem uma riqueza gigantesca, tanto do ponto de vista de ativos biológicos – princípios ativos, substâncias – quanto do próprio conhecimento ancestral", afirma Ribeiro. "Temos exemplos na Amazônia da cadeia do pirarucu ou mesmo cadeias mais tradicionais como a do suco de laranja, do açúcar e álcool. São cadeias onde nada se perde, tudo é reaproveitado."

Em outro exemplo prático, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu um projeto para usar cera de carnaúba – uma matéria-prima brasileira – para aumentar a conservação de frutas, reduzindo o desperdício e o tempo de vida de prateleira. "É uma biotecnologia de um conhecimento tradicional brasileiro que está sendo aproveitado", afirma Ribeiro.

Um estudo do Ministério do Meio Ambiente estima que a economia circular tem o potencial de gerar até 7 milhões de empregos no Brasil até 2030, especialmente nos setores de reciclagem, reuso e remanufatura.

Empresas começam a aderir, mas transição exige escala

Seis em cada dez indústrias brasileiras adotam práticas de economia circular, segundo uma sondagem feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) que será divulgada no Fórum Mundial de Economia Circular.

A ação circular mais frequente é a reciclagem de produtos, presente em um terço das empresas (34%). Em seguida, o oferecimento e ou reparo dos itens durante o uso (32%) e a utilização de recurso reciclado ou recuperado nos produtos (30%).

"As empresas já entenderam que incorporar práticas circulares são um motivo também de competitividade", afirma Davi Bomtempo, superintendente de meio ambiente e sustentabilidade da CNI. "Se você recicla, usa menos energia, usa menos água, consequentemente o seu custo é menor, seu preço é menor e você é muito mais competitivo. Então essa equação já começa a ser muito bem definida na cabeça do empresário".

No entanto, especialistas alertam que o modelo precisa avançar para além de ações pontuais. "Acho que esse número nos enche de otimismo", afirma Ribeiro, do Movimento Circular. "Mas não podemos ficar numa posição de zona de conforto. A gente precisa se desafiar, e aí eu estou falando para cada empresa, para cada instituição, para fazer melhoria contínua, para ir além na economia circular."

"O principal foco da economia circular é que você tem que pensar na cadeia como um todo", explica Beatriz Martins Carneiro, coordenadora da Coalizão de Economia Circular para a América Latina e Caribe da ONU. "Muita gente foca na questão da reciclagem. Claro, a reciclagem é importante e faz parte da cadeia da economia circular, mas você tem que ter a prioridade são ações também mais acima na cadeia, para você não chegar a gerar esse resíduo".

Caminhos para transição

Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente e articuladora de políticas internacionais, avalia que, apesar do grande potencial do Brasil e da ambição em desenvolver esse modelo, a visão de ainda circularidade não está colocada de maneira consolidada no país.

"O Brasil trata circularidade no final da cadeia produtiva, que é a questão da reciclagem, do reuso, os famosos três Rs", afirma Teixeira. "E não uma visão de cadeia produtiva completa, onde os recursos naturais estão em todo o processo produtivo, e você tem que dotar isso de eficiência no primeiro momento e depois de suficiência."

Para que o modelo se consolide e traduza em ganhos sociais e econômicos, os especialistas destacam a necessidade de articulação entre diversos atores – governos, empresas e sociedade civil – e construir uma plataforma institucional capaz de dar escala às soluções circulares. Isso passa por infraestrutura logística, incentivos fiscais, marcos regulatórios atualizados e políticas públicas coerentes.

"Com uma boa política pública, a gente pavimenta o caminho para que o empresário possa operar com segurança jurídica e regras claras", afirma Bomtempo, da CNI. "Dessa forma fazemos a roda da economia girar, mais emprego, mais PIB, mais renda, mais desenvolvimento a partir dessa nova economia que você vai trabalhar tanto no lado da eficiência dos recursos naturais, quanto do lado também da redução de emissões."

Houve alguns sinais de avanço. No ano passado, o governo nacional criou a Estratégia Nacional de Economia Circular, para apoiar a implementação de processos que considerem a circularidade desde a concepção dos produtos, sob a gestão do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

Na última quinta-feira, também foi aprovado o Plano Nacional de Economia Circular, que servirá de base para estabelecimento das políticas de circularidade nos próximos dez anos, englobando desde ajustes tributários até mapeamentos de cadeias produtivas.

"O governo federal acordou para essa realidade", afirma Ribeiro. "Ele percebeu não só a importância do tema, mas a oportunidade que a gente tem de usar a economia circular como um vetor de reindustrialização do país e de requalificação de várias atividades produtivas".