A primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, renunciou ao cargo e fugiu do país nesta segunda-feira(05/08), após semanas de protestos estudantis em massa e de uma escalada de violência que, até o momento, já causou centenas de mortes.

Após a divulgação da fuga, que marcou um fim abrupto e dramático de seu governo de 15 anos, as ruas da capital, Dhaka, e de outras grandes cidades do país ficaram lotadas.

Multidões agitavam bandeiras em comemoração e algumas dançavam em cima de um tanque nas ruas de Dhaka. Centenas de pessoas invadirem os portões da residência oficial de Hasina.

“É hora de acabar com a violência”

O chefe do Exército de Bangladesh, General Waker-Uz-Zaman, disse em um discurso televisionado que os militares formarão um governo interino. No entanto, não ficou claro quem vai assumir a administração interina e como a nova gestão será formada.

“O país sofreu muito, a economia foi atingida, muitas pessoas foram mortas – é hora de acabar com a violência”, disse Zaman, vestido com uniforme militar. “Espero que, após meu discurso, a situação melhore”, completou.

Zaman ainda afirmou que havia conversado com os principais partidos de oposição e membros da sociedade civil, mas não com o partido Awami League, de Hasina.

A revolta popular aconteceu menos de sete meses depois de Hasina vencer as eleições nacionais, comemorandoo quarto mandato consecutivo no podere o quinto no total. A votação foi boicotada pelo principal partido de oposição.

Mas os protestos implacáveis e violentos das últimas semanas e a incapacidade das forças de segurança de pôr fim a eles foram suficientes para acabar com o longo governo de Hasina.

As manifestações começaram em junho, depois que grupos de estudantes exigiram a eliminação de um antigo sistema controverso de cotas em empregos do governo. Ele favorecia os descendentes de ex-militaresque, em 1971, lutaram pela independência de Bangladesh do Paquistão, além de outros grupos.

Mas rapidamente os protestos se transformaram em uma revolta generalizada contra a gestão da ex-primeira-ministra. Até o momento, a agitação já causou a morte de cerca de 300 pessoas desde meados de julho, de acordo com relatos da mídia local.

Haverá uma transição tranquila?

Não está claro se a transição para uma administração interina liderada por militares será tranquila .Alguns manifestantes já disseram que não aceitarão nenhum governo sem representação. “Os representantes dos estudantes manifestantes têm que fazer parte do governo interino. Caso contrário, não o aceitaremos”, disse Asif Mahmud, um líder estudantil, à DW.

Ele também enfatizou que eles querem ter poder de decisão não apenas sobre a estrutura do governo, mas também sobre as políticas.

Z. I. Khan Panna, advogado e ativista de direitos humanos, também expressou descontentamento com a declaração do chefe do exército.

“Não recebemos nenhum plano concreto do chefe do exército. O que ele propôs foi uma solução temporária”, disse Panna à DW. “As pessoas com quem ele falou sobre a formação do governo interino, qual é o nível de apoio público delas? Não acho que a população vai aceitar isso”.

No entanto, um comunicado divulgado pelo departamento de relações públicas das forças armadas disse que o chefe do exército em breve manteria diálogo direto com representantes dos estudantes e professores que protestam.

O conceito de um “governo provisório” não é novo em Bangladesh. De 1990 a 2008, o governo eleito cedeu o poder a uma administração tecnocrática interina, que tinha a tarefa de realizar eleições de forma livre e justa. Esse sistema foi abolido em 2011.

Alguns observadores estão agora pedindo que uma administração interina semelhante assuma o controle até que novas eleições sejam realizadas.

Militares “não devem comandar o governo”

Enquanto isso, um grupo de 21 ativistas de direitos e advogados pediu que o governo interino tome medidas para responder aos anseios da população.

Em um comunicado, eles afirmaram que a raiva acumulada do público em relação à fraude eleitoral de longa data, à corrupção generalizada, à má administração econômica e à repressão agora se transformou em um movimento de massa.

“O poder deve ser transferido para um governo nacional ou interino por meios constitucionais ou alterando a constituição, se necessário, após discussões com os estudantes e partidos políticos que protestam.”

O grupo também enfatizou que os militares não devem governar o país e, em vez disso, devem entregar o poder a um governo interino civil.

Shahdin Malik é um dos signatários da declaração. Em entrevista à DW, ele disse que o papel dos militares é proteger Bangladesh de ameaças externas e não governar o país.

“Os militares devem proteger o país de forças externas durante uma guerra. Seu papel não é governar o país”, disse Malik.

Repercussão

O governo dos Estados Unidos, que já considerava que a última eleição de Hasina não havia sido livre e justa, elogiou o exército de Bangladesh e pediu que a formação de um governo interino seja democrática.

“Os Estados Unidos há muito pedem o respeito aos direitos democráticos em Bangladesh e pedimos que a formação do governo interino seja democrática e inclusiva. Elogiamos o Exército pela contenção que demonstrou hoje”, disse um porta-voz da Casa Branca na segunda-feira, segundo a agência Reuters. Os EUA também pediram que as partes se abstenham da violência e restaurem a paz no país.

Harun Ur Rashid Swapan, repórter da DW em Daca, contribuiu para esta reportagem.