Condenação do Itamaraty à ação de Israel e complacência diante de violações de direitos humanos no Irã servem de combustível para a direita no Congresso.A escalada de ataques entre Israel e Irã, que ocorre enquanto também se desenrola a guerra na Faixa de Gaza, vem provocando divisões no Congresso e na socidade brasileira a respeito da posição do Itamaraty sobre o conflito.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no Canadá, onde participará de uma reunião ampliada do G7 na quarta-feira (18/06), e ao ser indagado sobre as ações de Israel e Irã disse que "qualquer conflito me preocupa".
"Em um momento em que o mundo está precisando de muito recurso para a transição energética, para combater a miséria no mundo, você ver dinheiro sendo gasto com conflito, obviamente me incomoda profundamente. E é isso que quero falar um pouco amanhã", afirmou.
A posição do governo brasileiro deverá ser menos dura em relação ao Irã do que a do a do G7, que nesta terça-feira afirmou que o país é "fonte de instabilidade e terror" regional. O comunicado disse também que os líderes esperavam uma "redução mais ampla das hostilidades no Oriente Médio, incluindo um cessar-fogo em Gaza".
Israel justificou os ataques como uma forma de enfraquecer o programa nuclear iraniano, que segundo um relatório da ONU havia obtido urânio enriquecido com 60% de pureza e se aproximava do grau exigido para a produção de armas, de 90%.
O governo brasileiro tem no momento uma relação fria com Israel, em especial devido à guerra em Gaza. No ano passado, Lula chegou a ser classificado persona non grata pelo ministro israelense das Relações Exteriores, após sugerir que Israel estaria cometendo um genocídio em Gaza comparável ao Holocausto.
Ao mesmo tempo, Lula tem um histórico de aproximação diplomática com o Irã, no contexto da política externa brasileira de não alinhamento e fortalecimento de um mundo multipolar.
Em 2010, quando estava no seu segundo mandato no Palácio do Planalto, o petista tentou intermediar um acordo nuclear com o Irã, que não foi para frente. Mais recentemente, em 2024, o Irã foi um dos países que entraram no Brics no movimento de expansão do bloco inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A ausência de uma posição enfática brasileira sobre o Irã é explorada pela oposição. O presidente do grupo Brasil-Israel, senador Carlos Viana (Podemos-MG), disse em nota que o governo brasileiro estava escolhendo "se alinhar aos que disseminam o terror".
O que o Itamaraty falou até agora
O Ministério das Relações Exteriores divulgou um comunicado oficial na sexta-feira (13/06), mesmo dia em que Israel lançou ataques contra instalações estratégicas, cientistas nucleares e generais do país.
A nota curta condenou os ataques e afirmou que o governo brasileiro acompanhava com "forte preocupação" a ofensiva aérea israelense, "em clara violação à soberania desse país e ao direito internacional".
O comunicado afirmou que os ataques "ameaçam mergulhar toda a região em conflito de ampla dimensão, com elevado risco para a paz, a segurança e a economia mundial". E instou as partes envolvidas ao exercício da "máxima contenção" e pediu o fim imediato das hostilidades.
Até o momento, o Itamaraty não divulgou um novo posicionamento sobre a evolução do conflito, que inclui ataques retaliatórios do Irã. Pelo menos 224 pessoas haviam morrido no Irã em decorrência de ataques israelenses e outras 24 em Israel pela retaliação iraniana até esta segunda-feira, segundo autoridades dos dois países.
Afastamento entre Brasil e Israel
A escalada de violência no Oriente Médio ocorre em um momento particularmente ruim nas relações entre Brasil e Israel, governado pelo governo mais de direita da sua história, sob o comando do premiê Benjamin Netanyahu.
O principal motivo é a guerra na Faixa de Gaza, que Lula já classificou mais de uma vez como um genocídio contra o povo palestino.
O conflito foi deflagrado em 7 de outubro de 2023, após o ataque terrorista do Hamas a Israel, que deixou mais de 1,2 mil mortos e resultou no sequestro de 251 pessoas. Israel reagiu com uma prolongada ofensiva terrestre e aérea e bloqueios à entrada de ajuda humanitária no território palestino. Desde então, mais de 55 mil palestinos foram mortos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.
Em fevereiro de 2024, Lula comparou as mortes de civis em Gaza ao Holocausto promovido por Adolf Hitler contra os judeus. "O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus (…) Não é uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um Exército altamente preparado e mulheres e crianças", disse o brasileiro.
Em reação, Netanyahu afirmou que Lula havia cruzado uma "linha vermelha" e suas falas eram "vergonhosas e graves". "Trata-se de banalizar o Holocausto e de tentar prejudicar o povo judeu e o direito de Israel se defender", afirmou. Na sequência, o ministro das Relações Exteriores israelense, Israel Katz, declarou Lula persona non grata.
De lá para cá, não houve melhora na relação bilateral. Na sexta-feira, a Agência Brasil publicou reportagem relatando que o governo brasileiro estudava romper relações militares com Israel em resposta às ações na Faixa de Gaza.
O rompimento de relações militares envolveria a suspensão de contratos e cooperações nesse setor. As relações diplomáticas seriam mantidas, também para preservar os interesses de brasileiros que vivem em Israel.
Polarização na sociedade
Há divisão na sociedade brasileira sobre como reagir aos conflitos envolvendo Israel. Cinco meses após o início da guerra em Gaza, uma pesquisa Genial/Quaest apontou que 45% dos brasileiros tinham uma imagem favorável sobre a Palestina, e 39% tinham uma opinião favorável a Israel.
Em setembro de 2024, Israel realizou uma ofensiva no Líbano contra integrantes do Hezbollah, que foi condenada "nos mais fortes termos" pelo Itamaraty. Uma pesquisa realizada em seguida pela AtlasIntel apontou que 49,3% dos brasileiros discordavam dessa posição do governo, enquanto 42,1% apoiavam.
As diferentes opiniões sobre os conflitos envolvendo Israel se refletem em mobilizações da sociedade organizada. No início de junho, Celso Amorim, assessor-chefe especial da Presidência, recebeu um grupo de 20 parlamentares e outras lideranças que pediram ao governo que rompesse relações diplomáticas e comerciais com Israel.
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e a Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) também publicaram carta aberta ao governo pedindo que a Petrobras pare de vender petróleo ao governo de Israel. Em março de 2024, um levantamento feito pela organização Oil Change International afirmou que o Brasil era um dos cinco principais fornecedores de petróleo a Israel.
No domingo (15/06), manifestantes convocados por políticos e organizações de esquerda promoveram um ato em defesa da população palestina na Praça Roosevelt, em São Paulo.
Por outro lado, a direita vem também se posicionando sobre como o governo brasileiro está lidando com o Irã. O grupo parlamentar Brasil-Israel divulgou uma nota apoiando a decisão de Israel de atacar instalações e cientistas iranianos ligados ao programa nuclear e criticando a reação do Itamaraty.
O deputado federal Coronel Ulysses (União Brasil-AC) também se manifestou a respeito no X: "Em vez de apoiar Israel, que luta por sua existência contra o regime iraniano, que desenvolve armas nucleares e financia organizações terroristas, o Itamaraty ataca Israel. Até a Colômbia é mais neutra que a [nota] do Brasil."
Outro que se posicionou foi o deputado federal Messias Donato (Republicanos-BA): "O governo Lula ignora que o regime iraniano ameaça Israel há décadas e financia grupos terroristas. O Brasil não pode se calar diante disso nem se alinhar a ditaduras!"
Críticos veem postura incoerente
Um argumento frequente na direita é que seria incongruente o governo Lula apoiar um regime no Irã que desrespeita fundamentos do próprio programa de governo petista, como a defesa dos direitos humanos, da igualdade de gênero e da liberdade de expressão.
No meio desse conflito, até a retirada de uma comitiva de políticos brasileiros que estava em Israel durante o ataque ao Irã também virou ponto de tensão. A delegação de 12 pessoas incluía os prefeitos de Belo Horizonte, Joao Pessoa, Macaé e Nova Friburgo, acompanhados de autoridades e funcionários públicos de diferentes cidades.
Eles conseguiram sair de Israel nesta segunda-feira em direção à Jordânia – e o senador Viana, do grupo parlamentar Brasil-Israel, criticou o que chamou de "ausência absoluta" do Itamaraty nas tratativas para que a comitiva brasileira deixasse em segurança o território israelense.
O Itamaraty rejeitou a acusação e disse que a saída dos brasileiros resultou de uma "estreita coordenação" entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o chanceler da Jordânia, Ayman Safadi. E, em nota, afirmou que os administradores municipais ignoraram a orientação oficial de evitar viagens a Israel em razão dos conflitos nos quais o país está envolvido.
Outro tema ligado a Israel que virou campo de batalha entre a oposição e o governo é a criação do Dia de Amizade Brasil-Israel, aprovada pelo Senado em maio. O projeto de lei agora depende da sanção ou veto de Lula – que tem até esta quarta-feira para decidir.
bl/ra (ots)