Kiev quer compromisso de proteção assumido por EUA e Europa para impedir futuras agressões russas. "Artigo 5" da Otan é visto como chave para cessar-fogo.Garantias de segurança "confiáveis e robustas" que permitam à Ucrânia "defender sua soberania e integridade territorial". Esta tem sido a defesa repetida por líderes europeus e pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, a cada rodada de negociação pelo fim da invasão russa ao seu território.
Desde o início da guerra, Zelenski reitera que qualquer acordo de paz deve incluir garantias que impeçam a Rússia de invadir novamente o território ucraniano no futuro.
Ainda que Kiev não tenha até o momento publicado uma lista exaustiva das garantias de defesa que reivindica, a expectativa vocalizada pelo líder ucraniano é a de que nações aliadas se comprometam a defender militarmente a Ucrânia em caso de uma nova agressão. Ele argumenta que Moscou não quer o fim da guerra, e que promessas de paz do presidente da Rússia, Vladimir Putin, não são confiáveis.
O Artigo 5 da Otan como solução
Entre as sugestões já discutidas estão o envio de tropas europeias para garantir um acordo de paz, a adesão ucraniana à União Europeia (UE) e a fabricação conjunta de armas.
No entanto, a principal aposta de Zelenski é a da adesão ucraniana à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que permitiria ao país acionar o Artigo 5. O dispositivo considera que um ataque armado contra um membro é um ataque a todo o grupo, o que permite que a defesa também seja coletiva.
Apesar de a organização indicar em seu site oficial que "o futuro da Ucrânia está na Otan" e celebrar acordos com Kiev, a possível adesão ucraniana é rechaçada por Moscou e tem travado qualquer avanço nas negociações de paz.
O recente encontro entre o presidente americano, Donald Trump, e o russo, Vladimir Putin, confirmou que a adesão está fora da mesa de negociações, mas sinalizou que as duas partes estão dispostas a endossar outros compromissos de defesa, ainda que não sob o mesmo roteiro sugerido por Zelenski.
"Putin já afirmou que a entrada da Ucrânia na Otan é uma linha vermelha. Partindo do pressuposto de que isso se manteria, […] conseguimos obter a seguinte concessão: que os Estados Unidos poderiam oferecer [à Ucrânia] uma proteção semelhante à prevista no Artigo 5", disse o enviado de Trump, Steve Witkoff, à CNN americana, sem detalhar como o acordo se desenvolveria.
Segundo Witkoff, esta é a primeira vez que os russos concordaram com a proposta. Em publicação nas redes sociais, o enviado russo a organizações internacionais, Mikhail Ulyanov, reforçou que a Rússia pode acatar a ideia, desde que também seja assegurada com acordos de proteção.
"Muitos líderes de países da União Europeia enfatizam que um futuro acordo de paz deve fornecer garantias confiáveis de segurança para a Ucrânia. A Rússia concorda com isso. Mas tem o mesmo direito de esperar que Moscou também receba garantias de segurança eficazes", disse Ulyanov.
A afirmação muda a postura americana sobre a possibilidade de assumir um papel em garantir a segurança ucraniana. Em fevereiro, o tema travou acordos entre EUA e Ucrânia devido à falta de compromissos de proteção por parte da Casa Branca.
Zelenski se reunirá nesta segunda-feira (18/08) com Trump para discutir o tema e já avalia a possibilidade antes rejeitada de negociações territoriais fazerem parte de um acordo de paz.
Rede de países e acordos com a Otan
Garantias de segurança são compromissos oferecidos por um ou mais Estados ou organizações internacionais que mantenham a integridade territorial de uma nação contra, por exemplo, intervenções estrangeiras.
No caso da Ucrânia, estas intervenções podem ser positivas, como o compromisso direto de apoio militar e financeiro para assegurar a paz, ou negativas. No segundo caso, Kiev poderia se abster de aderir à Otan ou Moscou de atacar novamente o país vizinho.
"As preocupações da Ucrânia são de que garantias negativas não assegurem uma paz sustentável nem a integridade territorial do país, pois não oferecem garantia de que […] nenhuma ação militar será realizada contra ela pela Rússia", analisa o Public International Law and Policy Group (PILPG). Exemplo deste temor é a atual invasão, que acontece anos após a anexação russa da Crimeia.
Diante deste cenário, Zelenski vem defendendo alternativas à adesão à Otan. Uma delas é a implementação dos interesses firmados em julho de 2024 pelos chefes de Estado que compõem o Tratado, os quais incentivam os aliados a "fornecer à Ucrânia sistemas adicionais críticos de defesa aérea, assim como outras capacidades militares, para ajudá-la a se defender hoje e deter a agressão russa no futuro".
Para isso, sugerem a criação de um escritório para coordenar o fornecimento de equipamentos militares e treinamentos para a Ucrânia por parte dos parceiros.
Outra sugestão de Zelenski é a criação de uma rede de aliados que endossem apoio militar a Kiev por meio de acordos bilaterais. Em março deste ano, por exemplo, ele indicou que a Turquia também poderia participar desse esforço coordenado.
Adesão à UE no caminho
Até o momento, porém, os principais avanços se materializam nas negociações com Reino Unido e União Europeia (UE).
Uma possibilidade já discutida é a adesão da Ucrânia ao bloco europeu, cujo artigo 42 de seu tratado obriga os membros a auxiliar "com todos os meios ao seu alcance" o aliado que for vítima de agressão territorial.
Apesar de o bloco não possuir uma estrutura militar comum, o artigo é visto como uma regra de obrigação coletiva de defesa. Mas diferente da Otan, ações como esta na UE dependem de vontade política e da capacidade dos Estados. O PILPG destaca que o dispositivo foi acionado apenas uma vez na história, após os ataques terroristas contra Paris, em novembro de 2015.
Em uma resolução adotada em março deste ano, o Parlamento Europeu defendeu a aceleração das negociações para adesão da Ucrânia ao bloco. "Para deter novas agressões russas, o Parlamento afirma que a UE deve contribuir com garantias robustas de segurança para a Ucrânia", disse a instituição na resolução aprovada na ocasião.
"O bloco europeu e seus Estados-membros são atualmente os principais aliados estratégicos da Ucrânia e devem manter seu papel como maiores doadores. Para assegurar o direito da Ucrânia à legítima defesa, os seus membros precisam aumentar significativamente a assistência tão necessária ao país."
O documento foi aprovado em meio à incerteza sobre o apoio americano à Ucrânia. No começo de seu mandato, Donald Trump chegou a suspender o envio de armas ao país e escantear a Europa nas negociações com Moscou.
Coalizão de voluntários quer tropas no território
A postura do presidente americano mudou posteriormente, quando passou a criticar a resistência de Putin por um cessar-fogo. Apesar de a cúpula ter frustrado o interesse europeu de uma trégua imediata, líderes do continente celebraram o recente interesse americanode também cumprir um papel em assegurar a segurança da Ucrânia.
Até o momento, planos para estabelecer tais garantias recaíam sobre a "coalizão de voluntários" – um grupo de mais de 30 países europeus que apoia as negociações pelo apoio à Ucrânia.
Liderados por Alemanha, França e Reino Unido, as nações passaram a dar mais abertura ao envio de armas à Kiev e, em março, indicaram a possibilidade de enviar tropas ao território ucraniano para garantir um acordo de paz.
Os planos militares foram impulsionados principalmente pelo Reino Unido, que chegou a cogitar estacionar 30 mil militares na Ucrânia para impedir avanços russos. Segundo relatos da mídia britânica, porém, o governo passou a avaliar uma operação mais reduzida.
Sugestões similares aventadas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, porém, foram mal recebidas pelos aliados, que temem uma escalada nas tensões com Putin se tropas de membros da Otan forem utilizadas.