Quais são as chances da empreitada política de Gusttavo Lima

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Anunciada em 2 de janeiro, a intenção pública de Gusttavo Lima em ser candidato à Presidência da República gerou repercussão na política. “O Brasil precisa de alternativas”, disse o cantor sertanejo ao site Metrópoles.

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Apoiado por Lima nas eleições de 2018 e 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não teria gostado do que ouviu. Já o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, o convidou para o União Brasil — que não é o único partido a cortejá-lo. Nenhuma sigla, contudo, abraçou a empreitada do sertanejo rumo ao Palácio do Planalto até aqui.

A cobiça de celebridades pelo cargo mais alto da República não é nova. Em 1989, primeira eleição direta desde a redemocratização, o apresentador Silvio Santos se lançou na corrida, mas o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) invalidou o registro da candidatura.

Desde que a Operação Lava Jato desvendou esquemas de corrupção que devassaram parte da elite política nacional, contudo, figuras alheias à atuação partidária tiveram mais sucesso nas urnas — o próprio Bolsonaro surfou na “antipolítica” para se eleger, em 2018, apesar dos 28 anos de vida pregressa no Congresso.

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Sob o crivo da política

O site IstoÉ ouviu dois marqueteiros com ampla experiência — e vitórias — em campanhas e um cientista político habituado a ouvir os eleitores para entender o cenário que se coloca diante do artista até 2026.

Paulo Vasconcelos foi o marqueteiro das campanhas vitoriosas de Fuad Noman (PSD), reeleito prefeito de Belo Horizonte, em 2024, de Cláudio Castro (PL), reeleito governador do Rio de Janeiro, em 2022, e da candidatura presidencial de Aécio Neves (PSDB), que chegou ao segundo turno em 2014.

Renato Dorgan é cientista político, proprietário do instituto de pesquisas qualitativas Travessia e membro fundador do Camp (Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político).

Wilson Pedroso coordenou as campanhas vitoriosas de João Doria (então no PSDB) e Bruno Covas (PSDB, morto em 2021) pela prefeitura de São Paulo, em 2016 e 2020, e a de Pablo Marçal (PRTB), terceiro colocado na disputa pelo cargo em 2024.

IstoÉ Em outubro, Pablo Marçal ganhou holofotes ao embolar a disputa pelo comando da capital paulista mesmo sem experiência política pregressa. Essa campanha pode referenciar Gusttavo Lima para uma candidatura nacional? Ou a dinâmica do pleito presidencial é muito distinta?

PV Não vejo um paralelo possível. A eleição de São Paulo tinha dois candidatos muito conhecidos, que ocupavam cerca de 40% do eleitorado de largada [Ricardo Nunes, do MDB, e Guilherme Boulos, do PSOL], mas deixavam outra grande fatia de eleitores sem dono. Marçal entrou nessa corrida expressando valores bolsonaristas que não eram captados por Nunes, apesar do apoio oficial do ex-presidente. Se o final da história não tivesse sido o que todos conhecem, essa eleição poderia ter terminado de outra forma.

Além disso, Marçal chegou à campanha com um cabedal de propostas que, concorde-se ou não, tocou o coração das pessoas. A dinâmica da campanha presidencial é um pouco diferente, porque você tem um eleitorado mais amplo, complexo e diverso.

Neste cenário, ser conhecido ajuda, mas não resolve. Em 1989, Silvio Santos resolveu ser candidato e, naquela salada de nomes, alcançou 15 ou 16 pontos [em pesquisas de intenção de voto], mesmo na condição de principal apresentador do país, enquanto Collor de Melo [que foi eleito] já estava à frente. Acontece que Silvio era identificado pela população como comunicador, e não como candidato. O mesmo acontece com Lima, que é muito conhecido como cantor, mas não tem conexão política aparente com a sociedade.

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RD Ambos [Lima e Marçal] são oriundos do entretenimento e ambicionam o eleitorado de direita, mas, por suas histórias pregressas, são capazes de penetrar na população mais pobre e associada à esquerda. Até o momento, no entanto, é preciso esclarecer se essa intenção do cantor é real ou uma estratégia para congestionar o campo da direita, o que beneficiaria Bolsonaro.

Há um movimento estratégico em que diversas figuras desse espectro partilham votos da centro-direita e não desgarram, o que é prejudicial para, por exemplo, Caiado e Tarcísio de Freitas [do Republicanos, governador de São Paulo]. A definição de Lima passa, portanto, pela resolução da situação da inelegibilidade de Bolsonaro, que me parece improvável de ser revertida.

WP A comparação é natural, tendo em vista que ambos são outsiders políticos com grande apelo popular em seus segmentos. No entanto, as campanhas apresentam diferenças fundamentais. Marçal construiu sua candidatura com base em um discurso disruptivo e focado na renovação política, utilizando estratégias como a criação de conteúdo massivo nas redes sociais para mobilizar eleitores jovens e engajados.

Um exemplo internacional que reflete essa trajetória é Donald Trump, que, como empresário e personalidade midiática, utilizou seu reconhecimento para criar um movimento populista de grande impacto. Lima teria o desafio de traduzir sua popularidade no mundo da música para o campo político, algo que exige uma narrativa consistente e alinhada às expectativas dos eleitores. No Brasil, figuras como Tiririca também usaram sua fama no entretenimento, mas com foco em campanhas bem-humoradas e de alcance limitado, enquanto o cantor teria que se posicionar como líder nacional, algo mais complexo.

Silvio Santos

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IstoÉ Quais são os principais obstáculos para uma figura de fora da política ao decidir concorrer a uma eleição majoritária — sobretudo, no caso de 2026, em provável oposição a nomes conhecidos do eleitorado? Por outro lado, do que se pode beneficiar por ser de fora do jogo nas urnas?

PV As eleições municipais de 2024 mostraram que, ao contrário das disputas de 2016 e 2018, que tiveram a Operação Lava Jato como a grande “marqueteira” das vitórias de outsiders, o cenário é de maior acomodação e reencontro da sociedade com a política tradicional.

Ainda assim, Lima tem como primeira etapa [para a empreitada] buscar um partido com tempo de televisão e fundo eleitoral, recursos sem os quais não há mais como ser competitivo nas urnas. Para isso, ele precisará aparecer nas pesquisas de forma competitiva, caminho que pode fazê-lo ser endossado por um dos “donos de partido” do país.

WP Os desafios são de credibilidade e adaptação. Um exemplo é o de João Doria, que usou sua imagem de empresário bem-sucedido para virar prefeito. Sua estratégia foi baseada em uma comunicação direta, focada na eficiência e em sua capacidade de gestão, mas ele enfrentou críticas ao longo do mandato por falta de articulação política e desgaste em alianças partidárias. Lima precisaria não só construir propostas claras e atrativas, mas também desenvolver articulação política para dialogar com lideranças e construir alianças estratégicas.

Outro exemplo é o caso de Silvio Santos, que tentou uma incursão na política em 1989, mas a viu ser minada por dificuldades burocráticas e de adaptação ao sistema político. Por outro lado, celebridades como Arnold Schwarzenegger, nos EUA, mostraram que é possível fazer essa transição com sucesso, desde que exista uma equipe experiente e uma estratégia clara para capitalizar sua imagem pública.

O cantor terá um dilema entre fortalecer um partido existente, como fez Bolsonaro ao usar o PSL, ou entrar em um partido já com estrutura, fundo partidário e capilaridade nos Estados, como o União Brasil.