Trump diz que Zelenski estaria disposto a ceder península para Moscou, mas Kiev tem rejeitado publicamente que abrirá mão de território. E o que dizem os especialistas?Os EUA supostamente enviaram a seus aliados europeus um documento confidencial com propostas para um cessar-fogo na guerra da Rússia contra a Ucrânia. Um de seus pontos mais importantes seria o reconhecimento do controle russo sobre a península ucraniana da Crimeia, anexada por Moscou em 2014. Isso foi relatado inicialmente pela agência de notícias Bloomberg, pelo canal de notícias americano CNN, pelos influentes jornais The Washington Post e The Wall Street Journal.
Segundo os relatos, os americanos esperavam uma resposta da Ucrânia até 23 de abril. No entanto, um encontro que deveria reunir chefes da diplomacia em Londres foi rebaixado em cima da hora a diplomatas menos graduados após o cancelamento de representantes de Alemanha, Reino Unido, França e Ucrânia. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, também não compareceu.
"A Crimeia permanecerá com a Rússia. Zelenski entende isso, e todo mundo entende que ela está com eles há muito tempo", disse o presidente dos EUA, Donald Trump, em uma entrevista publicada na sexta-feira pela revista Time. Neste domingo (27/04), Trump disse a repórteres acreditar que o presidente ucraniano esteja disposto a abrir mão da Crimeia para selar um acordo de paz,aumentando a pressão sobre Kiev para um acordo com Moscou.
Nos mais de 11 anos desde a anexação, em violação à lei internacional, a questão da Crimeia tem sido um tópico recorrente na mídia.
Nesta sexta-feira, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, havia dito que a Ucrânia "não reconhecerá legalmente nenhum território ocupado temporariamente".
Riscos do reconhecimento
Em um ensaio, o Instituto Americano Robert Lansing para Estudos de Ameaças Globais e Democracias (RLI) listou vários riscos do reconhecimento da anexação da Crimeia para a ordem internacional. De acordo com a análise, isso significaria uma "mudança fundamental na política externa dos EUA e marcaria uma ruptura com décadas de princípios legais em defesa da integridade territorial". Os especialistas do Instituto enfatizam:
Em primeiro lugar, o reconhecimento da anexação da Crimeia seria um golpe estratégico nas normas internacionais. Isso minaria o princípio da integridade territorial consagrado no direito internacional e enfraqueceria a ordem jurídica estabelecida após a Segunda Guerra Mundial. Isso incentivaria outros Estados autoritários, como a China ou a Turquia, a se envolverem em revisionismo territorial.
Em segundo lugar, isso levaria a uma irritação entre aliados dentro do campo ocidental. A Ucrânia veria essa medida como uma traição e, acima de tudo, os membros do Leste Europeu da Otan e da UE a veriam como uma capitulação à agressão russa.
Em terceiro lugar, essa medida teria um impacto na política interna dos EUA. Provocaria uma reação bipartidária e levantaria questões sobre os verdadeiros motivos de Trump, especialmente devido à especulação sobre seus possíveis laços de longa data com Moscou.
O RLI também alerta que o reconhecimento da anexação da Crimeia prejudicaria gravemente a credibilidade do apoio americano à democracia e ao Estado de direito em todo o mundo. Especialmente em países que são suscetíveis à pressão autoritária.
"Precedente extremamente perigoso"
O cientista político ucraniano Volodimir Fesenko compartilha dessa avaliação. Em uma entrevista à DW, ele diz que a Crimeia é "uma linha vermelha" e que sua perda é "absolutamente inaceitável para a Ucrânia". Reconhecer legalmente a anexação da Crimeia criaria, segundo ele, "um precedente extremamente perigoso". E não apenas para a Ucrânia, mas para o mundo inteiro, se as reivindicações da China contra Taiwan e outros lugares forem levadas em consideração. Fesenko acredita que a desvalorização da reunião em Londres mostra que as propostas dos EUA divulgadas na mídia foram de fato rejeitadas e não serão mais implementadas.
Andras Racz, do Conselho Alemão de Relações Exteriores (DGAP), também não está esperando um avanço rápido na diplomacia. "Não é surpreendente que o lado ucraniano tenha rejeitado a proposta dos EUA", diz ele. De acordo com o cientista político, isso exigiria que Kiev reconhecesse oficialmente a anexação da Crimeia e, de fato, renunciasse ao território ucraniano ocupado pela Rússia.
Agora que a reunião em Londres aparentemente deu errado, os observadores estão especulando sobre o rumo que Washington tomará. Na quarta-feira passada, o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, declarou que tanto a Ucrânia quanto a Rússia teriam que abrir mão de parte dos territórios que ambos os lados controlam atualmente. Os EUA haviam feito uma "proposta muito clara" à Rússia e à Ucrânia. Vance advertiu: "Agora é hora de eles dizerem sim ou de os EUA se retirarem desse processo".