Retomada de flexibilização da legislação ambiental brasileira pelo Congresso pode afetar diretamente Mata Atlântica, indígenas e quilombolas.Entidades da sociedade civil reagiram com preocupação à iniciativa do Congresso Nacional de derrubar 52 dos 63 vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à lei do licenciamento ambiental, apelidada por ambientalistas de "PL da Devastação". O temor é de que o relaxamento das regras provoque desmatamento de biomas e ponha em risco povos originários e quilombolas.
Os vetos foram derrubados nesta quinta-feira (27/11), uma semana após a realização da COP30 em Belém, em meio a uma crise do Legislativo com o governo, motivada pelo anúncio da indicação do Advogado-Geral da União (AGU) Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A indicação de Messias irritou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que fazia campanha para o também senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Lula havia vetado 63 de 400 itens que flexibilizam a legislação ambiental no país, mas apenas 52 foram derrubados na sessão de quinta pelos parlamentares em Brasília. Outros sete vetos sobre a Licença Ambiental Especial (LAE) devem ser analisados na semana que vem.
Segundo pesquisadores e representantes da sociedade civil, o "PL da Devastação" "desestrutura a política ambiental como um todo".
Em nota, o Observatório do Clima considerou a flexibilização da legislação ambiental "inconstitucional" e afirmou que organizações ambientalistas ligadas à entidade vão à Justiça contra a nova lei, que "expõe a risco a saúde e segurança dos brasileiros, libera a destruição ampla dos nossos ecossistemas e viola as metas climáticas do Brasil".
Entenda abaixo alguns pontos afetados pelo "PL da Devastação".
"Autolicenciamento" ambiental
Uma das medidas mais criticadas da nova legislação e que teve veto derrubado é a Licença por adesão e Compromisso (LAC), um "autolicenciamento" para liberação de obras de médio potencial poluidor.
Esse mecanismo libera o responsável pelo empreendimento de submeter essas obras a estudos de impacto ou ao crivo de órgãos ambientais. Em vez disso, é necessário apenas preencher um formulário pela internet em que a empresa se compromete a seguir as regras. Até então, essa regra só valia para obras de pequeno potencial poluidor.
Segundo o Observatório do Clima, com essa flexibilização, estruturas como a da barragem de Brumadinho (MG), que rompeu em 2019, deixando 272 mortos, estariam liberadas quase automaticamente para funcionamento. Ainda de acordo com a entidade, que diz que a medida contraria entendimento do STF, cerca de 90% dos licenciamentos estaduais poderão ser feitos "num apertar de botão".
Mata Atlântica
O conjunto de leis também praticamente libera o desmatamento na Mata Atlântica, bioma mais ameaçado do país, somente com o aval de municípios, ignorando regras previstas na Lei da Mata Atlântica .
Com isso, não será mais necessário ter autorização de órgãos federais para o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração na Mata Atlântica. No caso de vegetação em estádio médio de regeneração em áreas urbanas, fica excluída a necessidade de autorização por meio de órgãos estaduais.
O desmatamento no bioma poderá, dessa forma, ser autorizado por municípios, mesmo que esses não possuam estrutura técnica, plano diretor ou conselhos ambientais.
Agropecuária
A nova regra libera toda a agropecuária extensiva da necessidade de licença ambiental, mesmo quando o Cadastro Ambiental Rural (CAR) da propriedade ainda não foi homologado.
Na prática, áreas com desmatamento ilegal ou até mesmo terras griladas poderão seguir produzindo sem qualquer autorização. Grandes obras também passam a ficar dispensadas de licenciamento, como a pavimentação da BR-319, na Amazônia, cuja abertura pode resultar na emissão de até 8 bilhões de toneladas de CO2 equivalente nos próximos 25 anos, quatro vezes a emissão anual do Brasil, diz o Observatório do Clima.
Presidente da Frente Parlamentar de Agropecuária no Congresso, o deputado Pedro Lupion (Republicanos-PR) elogiou a derrubada dos vetos de Lula. "Vitória dos produtores rurais que aguardaram por mais de 20 anos pela lei que modernizasse o licenciamento ambiental no Brasil", escreveu ele nas redes sociais.
Além da agricultura e pecuária, o "PL da Devastação" também isenta de licenciamento mais 11 atividades econômicas, além de obras de "manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes" e de instalações de saneamento e esgoto.
Quilombolas e povos originários
Pelas regras que valiam até aqui, qualquer empreendimento com impacto direto ou indireto sobre terras indígenas ou quilombolas precisava consultar a Funai e Fundação Palmares, independentemente de o território já estar homologado ou titulado.
Com o novo texto, essa consulta só será obrigatória para terras indígenas homologadas ou territórios quilombolas já titulados, deixando de fora a maioria das comunidades.
Segundo o Instituto Sociambiental, essas mudanças podem impactar cerca de 80% dos territórios quilombolas e cerca de 32% dos territórios indígenas com processos de reconhecimento e titulação em andamento e que podem ter não só suas vegetações, mas também atividades culturais e modos de viver diretamente afetados pela exploração.