Quais os interesses reais das nações que ajudam a Síria?

Quais os interesses reais das nações que ajudam a Síria?

"APaíses vêm enviando ajuda, dinheiro e apoio político à Síria devastada pela guerra. Contudo, Turquia, Arábia Saudita e EUA obviamente não ajudam apenas por benevolência – e têm outros interesses no paísCom condições – é assim que quase toda a ajuda e assistência estrangeira recente à Síria deve ser vista. Após a insurgência de grupos rebeldes em dezembro de 2024, que derrubou a ditadura da família Assad após décadas no poder, vários Estados vizinhos intervieram para ajudar a Síria a se recuperar de 14 anos de uma brutal guerra civil.

Fala-se muito em assistência humanitária, unidade árabe, desenvolvimento internacional e segurança regional. Mas, como em qualquer outra esfera diplomática, a maioria dos países envolvidos também está agindo em seu próprio interesse. Mas, o que eles estão fazendo na Síria e por quê?

Turquia, a maior vencedora

A Turquia tem sido frequentemente descrita como a "maior vencedora" após a derrubada do regime do ditador Bashar al-Assad em uma ofensiva relâmpago liderada pelo grupo rebelde Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS.

"O grupo [HTS] cultivava há muito tempo uma estreita relação de trabalho com Ancara porque os rebeldes controlavam Idlib, uma província na fronteira turca no norte da Síria", explicou recentemente Asli Aydintasbas, pesquisadora sênior de política e especialista em Turquia do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês).

O HTS formou um governo interino, mantendo alguns dos ministérios mais poderosos – como Defesa, Relações Exteriores e Interior – para seus próprios membros ou associados próximos. Isso coloca o governo turco, com seus laços pré-existentes com o HTS, em posição de poder.

"A Turquia, antes de tudo, a médio e longo prazo, está interessada na estabilização da Síria", disse Sinem Adar, pesquisadora do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, ao Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington. "{Ancara] não quer um Estado falido em sua fronteira."

Atualmente, há cerca de 20.000 soldados turcos no norte da Síria, e há rumores de um pacto de defesa turco-sírio, bem como planos para estabelecer bases aéreas e navais turcas dentro do país. No início deste mês, o ministro da Defesa da Turquia, Yasar Guler, disse a jornalistas que seu país ajudará a treinar as novas forças armadas sírias.

A curto prazo, um dos principais objetivos da Turquia era combater as forças curdas-sírias, que controlavam grande parte do nordeste da Síria durante a guerra civil. A Turquia considera que elas são aliadas do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), que durante décadas se envolveu em uma luta armada e violenta contra a Turquia pelos direitos dos curdos. O PKK, porém, anunciou o fim de sua insurgência no início deste ano.

É por esse motivo que a Turquia apoiou a formação de um governo centralizado na Síria, em vez de uma federação de áreas semiautônomas administradas por diferentes comunidades sírias, incluindo os curdos. Por enquanto, a Turquia parece ter conseguido o que quer: os curdos-sírios concordaram em fazer parte do governo interino central, liderado pelo HTS, e disseram que suas tropas se juntarão ao novo Exército sírio.

Há também oportunidades econômicas para a Turquia na Síria. O vizinho ao norte já fornecia muitos bens de consumo às áreas controladas pelo HTS e também possui um grande setor de construção civil que se beneficiaria da reconstrução na Síria. De fato, os preços das ações das empresas do setor de construção na Turquia subiram cerca de 3% após a queda do regime de Assad.

Nações do Golfo: dinheiro e poder

Várias nações do Golfo vieram ajudar no resgate financeiramente e da reputacional da Síria nos últimos meses.

A Arábia Saudita e o Catar quitaram a dívida síria de 15,5 milhões de dólares (R$ 86,2 milhões) com o Banco Mundial. o Catar pagará cerca de 87 milhões de dólares em salários de servidores públicos sírios. Alguns dos primeiros grandes acordos de desenvolvimento da Síria foram com empresas dos Emirados Árabes Unidos, Catar e Turquia. Líderes sauditas também pressionaram com sucesso pelo levantamento das sanções à Síria e, embora isso nunca tenha sido oficialmente confirmado, os Emirados Árabes Unidos supostamente ajudaram a aliviar as tensões entre a Síria e o vizinho Israel.

"Os Estados [do Golfo] estão exercendo sua influência sobre a necessidade de recursos financeiros da Síria para consolidar alianças econômicas e políticas com a nova liderança em Damasco", explicou Eleonora Ardemagni, pesquisadora sênior do Instituto Italiano de Estudos Políticos Internacionais, em uma análise em junho.

"O interesse dos Estados [do Golfo] reside em fortalecer seus laços políticos, de segurança e econômicos com Damasco e usar isso para abordar questões que lhes interessam, como o tráfico da droga Captagon e o contraterrorismo", escreveu recentemente Emily Tasinato, pesquisadora do ECFR que analisa a região do Golfo.

Para os líderes do Golfo, há também ênfase em preencher o vácuo de poder geopolítico que surgiu após o fim do regime de Assad. Anteriormente, o Irã e a Rússia eram os maiores apoiadores de Assad, e os Estados do Golfo, com lideranças majoritariamente sunitas, ficaram felizes em ver o Irã, uma teocracia xiita e inimigo permanente, ser expulso. A Arábia Saudita também está preocupada com a influência da Turquia, sugeriu Ardemagni.

Nova aliança com os EUA?

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já havia pedido a saída das tropas americanas da Síria. "Esta não é a nossa luta", escreveu nas redes sociais em dezembro passado.

Esa atitude, no entanto, parece ter mudado após conversas com os líderes da Arábia Saudita e da Turquia, de quem Trump afirma ter simpatia pessoal.

Durante a guerra civil, cerca de 2.000 soldados americanos foram enviados para permanecer ao lado dos curdos-sírios, na luta contínua contra o grupo extremista "Estado Islâmico" (EI). Uma redução do contingente já está em andamento, com 500 soldados já tendo deixado o país, enquanto os combatentes sírio-curdos se integram ao Exército sírio.

Houve, no entanto, relatos em junho de que uma delegação militar americana chegaria em breve a Damasco para fechar um acordo para transformar a presença americana, anteriormente não autorizada, em uma presença autorizada.

Em entrevista à Syria TV no mês passado, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Michael Mitchell, disse que era muito cedo para os EUA se retirarem completamente devido às preocupações constantes com o EI, mas que os EUA estavam prontos para iniciar uma "nova era" em seu relacionamento com a Síria.

Observadores especulam que os EUA poderiam, na verdade, assumir um papel ainda maior na Síria no futuro. Isso, segundo dizem, neutralizaria a influência russa e potencialmente levaria até mesmo a algum tipo de distensão entre sírio-israelenses.

Irã e Rússia, os maiores perdedores

Ambos os países são frequentemente descritos como os que mais perderam após a queda do regime de Assad. Ambos tinham presença significativa na Síria, e essa presença foi significativamente reduzida. Isso, porém, não significa que nenhum deles tenha desaparecido definitivamente.

Diplomatas russos mantêm presença na Síria, e a Rússia se posicionou, de forma controversa, como a "protetora" das minorias sírias, além de manter laços econômicos estreitos com aliados sírios como a Turquia e os Emirados Árabes Unidos.

Quanto ao Irã, sua "influência na Síria não depende mais da sobrevivência do regime de Assad", escreveu o analista de segurança egípcio Mohamed ELDoh para a publicação americana Global Security Review. Essa influência "está inserida em redes paramilitares, infraestrutura ideológica e cartéis do narcotráfico."