Quais obstáculos a impopularidade impõe ao governo Lula

Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), ao lado do presidente Lula durante evento no Palácio do Planalto Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atingiu níveis de reprovação popular não apenas inéditos no atual mandato, mas que não eram registrados com o petista à frente do Executivo federal desde dezembro de 2005, ainda em sua primeira administração.

Os números soam contraditórios com a menor taxa de desemprego da série histórica mapeada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas ressoam equívocos em anúncios, dificuldades de articulação no Congresso e uma inflação acima da meta.

Neste texto, o site IstoÉ detalha como esse raro cenário de adversidade popular pode afetar a atuação de Lula no cargo e quais são as perspectivas de mudança antes das eleições de 2026.

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O cenário

Em levantamentos divulgados no final de janeiro, a Quaest mostrou que a administração petista é reprovada por 49% dos eleitores brasileiros, e o PoderData, por 51% deles.

Com Lula, a rejeição só havia superado a aprovação do governo federal nos mapeamentos dos principais institutos de pesquisa em dezembro de 2005, conforme reportou o jornal O Globo. Na ocasião, havia uma razão cristalina para os números: o Mensalão, escândalo de compra de apoio político revelado pelo então deputado Roberto Jefferson (do extinto PTB), minava o Palácio do Planalto.

Na realidade atual, o diagnóstico é mais complexo. O mandatário acusou o golpe ao trocar Paulo Pimenta por Sidônio Palmeira no comando da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), órgão responsável por comunicar os feitos do governo à população. Ao fazê-lo, consentiu com a avaliação de que a gestão tem dados positivos a exibir, como a alta do do PIB (Produto Interno Bruto) e a redução do desemprego, mas eles não são devidamente explorados.

Para Paulo de Tarso, experiente marqueteiro que trabalhava no governo no outro momento em que a rejeição foi majoritária, o presidente nunca havia enfrentado um problema de comunicação tão persistente. “Houve problemas [nas outras gestões], mas eles nunca duraram tanto. Agora, persistiram por quase dois anos, e [Lula] demorou bastante para fazer uma mudançadisse ao site IstoÉ.

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O diagnóstico

Desde que assumiu a pasta, Sidônio colocou Lula para falar com jornalistas e gravar conteúdos mais informais para as redes sociais. Mas o próprio chefe do Executivo parece ter compreendido que a comunicação não explica tudo. “A entrega que fizemos ainda não foi a entrega que nos comprometemos em 2022, porque muita coisa que plantamos ainda não nasceu”, disse o petista na primeira reunião ministerial de 2025.

A avaliação está refletida nas pesquisas de popularidade. À Quaest, 65% dos entrevistados responderam que o governo não entregou o que prometeu na campanha, enquanto 83% afirmaram que a conta do supermercado está mais cara.

Para além do discurso, medidas concretas da gestão são mal avaliadas. O mesmo levantamento apontou que 66% dos eleitores entendem que o Planalto mais errou do que acertou ao anunciar e, depois, recuar sobre o incremento na fiscalização da Receita Federal às transações feitas por Pix, movimento que alimentou duras críticas da oposição e colocou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em maus lençóis.

Os dados das pesquisas mostram que a “impopularidade do governo não se resume a problemas de comunicação”, disse ao site IstoÉ Yuri Sanches, diretor de análise política da AtlasIntel. “Lula foi eleito em uma disputa muito popularizada e tendo como principal mote a defesa da democracia, o fez a campanha ter pouco debate sobre propostas. Isso gerou uma percepção de retomada dos mandatos anteriores do presidente, que não ocorreu”.

“Apesar dos índices de PIB e desemprego, o alto nível de inflação eleva os preços e corrói a avaliação da economia pelas pessoas. É a chamada ‘percepção da gôndola’, em que o custo de itens básicos no supermercado gera uma percepção negativa, independentemente do que outros dados demonstram”, concluiu o analista.

Sem caminho fácil

O encarecimento do consumo básico tem sido explorado sistematicamente pela oposição e mesmo por integrantes da base governista, que hesitam em aderir ao discurso do Planalto. “Ao contrário do que ocorria no final de 2005, o Brasil tem um cenário de cristalização política muito evidente. Quem tem uma posição política naturalmente se afasta da outra, o que dificulta a construção de percepção pública de um governo”, disse Tathiana Chicarino, coordenadora da graduação em sociologia e política da Fesp-SP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), ao site IstoÉ.

Com vida difícil no Congresso, Lula tem no atual mandato a menor média de aprovação de MPs (Medidas Provisórias) desde 2001 e, a partir da impopularidade, se vê ainda em posição ainda mais desfavorável para negociar com bancadas que vão, majoritariamente, do “centrão” à direita radical.

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Presidente nacional do PSD, que comanda três ministérios de Lula, Gilberto Kassab não tardou a projetar que o petista perderia uma eleição presidencial realizada hoje e ainda chamou o ministro da Fazenda de “fraco”. Para cientistas políticos ouvidos pelo site IstoÉ, o movimento foi claro: político experiente, o Kassab mirou no ponto de fragilidade do governo, a economia, para cobrar um maior e mais prestigiado espaço na Esplanada.

“A crítica pública a uma gestão que enfrenta problemas de governabilidade é uma ferramenta para mostrar que, sem o PSD, o cenário poderia ser ainda pior. Na prática, é uma cobrança por espaço”, disse ao site IstoÉ Marco Antônio Teixeira, professor do mestrado em gestão e políticas públicas da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas).

A reversão do cenário, portanto, passa por campos que superam a comunicação. Com novos presidentes de Câmara e Senado eleitos no sábado, 1º, paira a perspectiva de que Lula enfim resolva os cálculos para uma reforma ministerial que conceda mais espaço a siglas como PSD, MDB, PP e Republicanos na Esplanada e, assim, alavanque as aprovações de medidas consideradas importantes — e potencialmente populares — no Legislativo.

“Um governo de coalizão pressupõe que, em troca dos espaços de poder, os partidos ofereçam sustentação no Congresso. Para recuperar capital político e conquistar uma conciliação bem-sucedida [com outras legendas], o Executivo precisa estar disposto a compartilhar melhor o poder”, disse ao site IstoÉ Luciana Santana, cientista política e professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).

No caso de 2005, o governo federal teve a economia como âncora para uma recuperação rápida, impulsionada pelo boom das commodities e a descoberta dos reservatórios do pré-sal, e seguiu sem maiores declives nesse terreno até a reeleição de Lula, em 2006, e a eleição da sucessora, Dilma Rousseff (PT), em 2010. Para Tathiana Chicarino, esse desenho dificilmente se repetirá: “O Mensalão foi uma crise conjuntural, que se arrefeceu rapidamente porque o país vivia cenários positivos nos campos econômico, social e das relações internacionais”.

A conjuntura de 2025 é distinta. “O governo perdeu sustentação justamente na base mais popular da sociedade brasileira. Na última pesquisa AtlasIntel, a gestão foi reprovada por 50% dos entrevistados com renda familiar até R$ 2 mil, e por 52% entre aqueles com renda familiar entre R$ 2 e 3 mil. Esses grupos eram o sustentáculo da administração, mas tiveram a memória positiva de Lula frustrada diante de um cenário econômico adverso”, disse Yuri Sanches.