Após romper com Trump, bilionário quer abalar sistema bipartidário nos EUA. Mas a história sugere que isso não é tão simples. Empreitada, porém, tem potencial para dar dor de cabeça aos republicanos.O homem mais rico do mundo tem um novo projeto, e quer chegar até o Congresso dos Estados Unidos com ele: o "Partido da América".
O empreendimento é mais um capítulo do rompimento entre o presidente americano, Donald Trump, e seu principal patrocinador de campanha, Elon Musk. O bilionário está insatisfeito com o megapacote fiscal do republicano recém-aprovado no Congresso que corta gastos sociais, subsídios à energia limpa e impostos e, ao mesmo tempo, aumenta as despesas com defesa e controle de migração.
Para o CEO da fabricante de carros elétricos Tesla, o projeto – que deve aumentar em 3,3 trilhões de dólares (R$ 17,8 bilhões) a dívida pública americana – é uma afronta ao mantra da eficiência que ele tentou incutir no governo enquanto assessorou Trump e chefiou uma ofensiva de cortes de gastos públicos.
O anúncio da criação do partido veio no sábado (05/07), dois dias após a aprovação do projeto pelo Congresso americano. "Quando se trata de levar nosso país à falência com desperdício e corrupção, nós vivemos em um sistema unipartidário, e não numa democracia", alegou Musk no X.
Musk vai ser candidato?
Musk já sugeriu que não está interessado em sair candidato, nem em eleger alguém à Casa Branca – ele próprio não pode concorrer ao cargo, já que nasceu na África do Sul.
Em vez disso, seu "Partido da América" focaria apenas em perturbar a disputa por assentos na Câmara e no Senado, aplicando uma "força extremamente concentrada em um ponto preciso do campo de batalha" para alterar o equilíbrio de forças no Congresso que dá sustentação a um presidente.
"Uma forma de fazer isso seria focar em apenas dois ou três assentos do Senado e oito ou dez distritos da Câmara", disse. Ao focar em eleições específicas, Musk acredita que sua legenda poderia assegurar votos decisivos para a aprovação de projetos de lei controversos.
Mas quão viável é essa empreitada?
Bipartidarismo impera nos EUA
Uma terceira via verdadeiramente competitiva poderia desafiar a dominância de mais de um século dos partidos democrata e republicano em todas as esferas de governo. Mas poucos chegaram perto disso, apesar de dezenas de siglas nanicas nos EUA terem tentado por décadas.
A terceira maior agremiação política nos EUA é o Partido Libertário, criado em 1971. Suas plataformas de campanha são a defesa do livre mercado, do Estado mínimo e das liberdades individuais. Seu melhor desempenho em eleições presidenciais foi em 2016, com o candidato Gary Johnson, que recebeu 3,27% dos votos – percentual muito aquém do necessário para chegar à Casa Branca, eleger um governador ou até mesmo um deputado estadual.
O Partido Verde é outro veterano que já lançou candidatos nas disputas estaduais e federais. Como os libertários, eles também não têm mandato.
Mesmo o Congresso americano hoje praticamente não tem membros fora dos partidos republicano e democrata. A exceção são dois senadores independentes, de um total de 100 assentos.
Sucesso eleitoral depende de dinheiro, mas também de mobilização popular
Para que uma terceira via seja politicamente viável, é preciso que haja um grande número de insatisfeitos com as atuais opções políticas, e que seja estabelecido um diálogo com esse grupo, construindo um movimento de base genuinamente popular, explica o cientista político Bernard Tamas, da Universidade Estadual Valdosta, nos EUA.
"Um dos maiores problemas dos partidos que surgiram até então é que eles não estão realmente acessando essa insatisfação", afirma Tamas. Segundo ele, novos partidos tendem a ser "mais sem graça e não focar de verdade nesse forte anseio por mudanças".
Mas o sucesso também requer, além de mobilização popular, dinheiro. Partidos gastam vultosas somas para eleger candidatos – só nas eleições de 2024 à Casa Branca e ao Congresso, foram quase 16 bilhões de dólares (R$ 86,7 bilhões), segundo a ONG de monitoramento de doações de campanha OpenSecrets.
O próprio Musk foi o maior doador das campanhas de 2023 e 2024, apostando 291 milhões (R$ 1,58 bilhão) em candidatos republicanos.
Um caixa robusto ajuda os partidos a mobilizar o eleitorado – o voto é facultativo nos EUA – com campanhas publicitárias e materiais de divulgação. Isso não garante a vitória – os democratas gastaram mais que os republicanos de Trump em 2024 –, mas ajuda a chegar lá.
"Você precisa de dinheiro, mas nenhuma terceira via jamais terá o bastante para competir em seus próprios termos contra os republicanos ou democratas", diz Tamas.
Por que novos partidos têm vida curta nos EUA
Dá para desbancar os partidos democrata ou republicano? Para Tamas, é improvável. Em vez de conquistar assentos no Congresso e ir crescendo no longo prazo, novos partidos são como uma "picada de abelha", compara o cientista político. "Eles surgem muito rápido, lançam um monte de candidatos pelo país e aborrecem enormemente um dos dois grandes partidos, ou ambos", afirma Tamas. "Basicamente, eles roubam votos."
Na prática, explica, os candidatos de terceira via acabam canibalizando os votos de um candidato convencional parecido. Em alguns casos, eles podem até tirar votos o suficiente para prejudicar quem estava liderando a corrida, colocando-o em segundo lugar.
Por temerem que uma terceira via se viabilize como opção popular, grandes partidos acabam alterando suas políticas para atrair de volta eleitores desgarrados. Uma vez que essa mudança ocorre, a terceira via "morre", assim como uma abelha após picar suas vítimas.
"Os partidos da terceira via mais bem-sucedidos nos EUA duram cerca de dez anos. Assim que eles viram uma ameaça muito grande, os grandes partidos começam a se apropriar de sua retórica, sua ideologia", diz Tamas.
Os americanos querem um novo partido?
Nem todos os eleitores americanos estão satisfeitos com as atuais opções de partido. A taxa líquida de aprovação de Trump está no vermelho, ou seja, há mais gente insatisfeita do que satisfeita com seu governo. A última pesquisa YouGov aponta que praticamente três em cada cinco americanos estão indispostos com o Partido Democrata, de oposição a Trump. E uma análise de 2022 do Pew Research encontrou mais apoio popular a outros partidos no sistema político.
Mas isso não quer dizer que um novo partido se sairia bem. Um estudo americano publicado em maio de 2024 aponta que eleitores republicanos e democratas descontentes são menos propensos a votar em uma alternativa mais ao centro.
Endereçar a frustração na sociedade com o status quo, segundo Tamas, é o caminho mais rápido para o sucesso. Se estiver levando seu projeto de partido a sério, Musk faria bem em estudar o movimento "Fight Oligarchy" (lute contra a oligarquia) de opositores de esquerda como Alexandra Ocasio-Cortez e Bernie Sanders, ou o movimento trumpista Maga, cita Tamas.
"Esses são exemplos muito bons a serem seguidos […] de como endereçar as mágoas da população", afirma. "Eles forçam os [grandes] partidos a responder, ameaçando suas carreiras e sua existência."
Colaborou Rayanne Azevedo.