O enredo é o de uma história de espionagem. Walter Briot, capitão da Marinha da Itália, foi detido pela polícia no centro de Roma quando entregava um pen drive com 181 fotos classificadas “de máxima segurança” pela Otan a dois diplomatas russos. Em troca, Briot recebeu um envelope com 5 mil euros. Todos foram presos em flagrante e os dois russos, expulsos. O Kremlin resmungou uma resposta. O episódio que aconteceu na capital italiana repetiu outros recentes que ocorreram em Berlim, Varsóvia e Sófia. Em todos, diplomatas russos foram expulsos. Ao mesmo tempo em que fustiga outros países com sua rede de espionagem, o presidente russo Vladimir Putin volta a ameaçar com uma intervenção na Ucrânia e reforça seu poder dentro do país. São movimentos para perpetuar seu poder autocrático no país.

Na Ucrânia, a Rússia apoia os separatistas na região do rio Donets, no chamado “Donbass”. Dado o histórico de invasão e anexação da península da Crimeia, em 2014, o Departamento de Estado americano se apressou a pedir a Moscou que explicasse as provocações. A guerra deixou 13 mil mortos, segundo a ONU. O cessar-fogo até hoje é precário e a Ucrânia mantém 90 mil soldados na região, frente a 36 mil separatistas e pelo menos 10 mil militares russos. Um novo conflito não deve ser aceito passivamente pelo presidente americano Joe Biden, que já classificou Putin como maior ameaça internacional dos EUA.

CRÍTICO NA CADEIA Navalni fez um vídeo devastador para Putin, publicado no Youtube (Crédito:DIMITAR DILKOFF)

Não é apenas na Europa do Leste que Putin age. Além da Ucrânia, o segundo ponto de tensão com o Ocidente é o Ártico. De acordo com militares americanos, com o degelo do Ártico a Rússia reativou bases aéreas e instalou novos mísseis Poseidon, capazes de transportar ogivas nucleares e serem invisíveis aos radares. “O sistema está em fase de testes e faz parte da estratégia russa de dissuasão”, disse o vice-almirante Nils Andreas Stensones, chefe da inteligência militar da Noruega. Fotos de satélites mostram a expansão das bases russas nas ilhas de Narguskoye e Rogachevo, ambas no Mar Ártico. A Rússia afirma ter apenas “objetivos pacíficos”, mas os vizinhos encaram essa movimentação com desconfiança.

A tensão na Ucrânia e no Ártico são a face mais visível da política externa cada vez mais agressiva de Putin. Com isso, além de ampliar sua influência internacional, ele quer se eternizar como um dos grandes líderes da história do país. Para isso, na segunda-feira, 5, ratificou uma lei que lhe permitirá disputar mais duas eleições. O ex-agente da KGB tem 68 anos e, caso reeleito em 2022 e novamente em 2028, governará até 2034.

Perseguição política

Para afastar qualquer risco, o russo amplia a repressão interna. A principal vítima é o líder opositor Alexei Navalni, ativista de 44 anos e crítico ferrenho do presidente. Navalni denunciou em um vídeo gravado em 2020 que Putin construiu um palácio magnífico às margens do Mar Negro, com o dinheiro de subornos acumulados durante 20 anos. Ele também revelou que Putin teve várias amantes, algumas das quais lhe deram filhas. O vídeo foi visto mais de 100 milhões de vezes no Youtube.

Navalni pagou um alto preço pelo ativismo. Foi envenenado e acusou Putin diretamente. Tratado emergencialmente na Alemanha, deixou o exílio e voltou a Moscou em fevereiro, sendo imediatamente preso. Enviado a um presídio a 100 quilômetros de Moscou, começou uma greve de fome e foi hospitalizado em 5 de abril. O estado de saúde de Navalni foi definido como “grave”.

Sua ousadia provoca reações crescentes. As crises diplomáticas com espiões estão indispondo o país com os europeus. A Alemanha já defende novas sanções ao país. A relação com os EUA também piorou muito após Biden assumir a Casa Branca. O presidente americano chamou seu colega russo de “assassino”. Pouco importa. Putin parece feliz em garantir seu lugar na história e até sua vaidade tem sido recompensada. Em uma pesquisa feita em 300 cidades, e divulgada por um site no dia 2, foi escolhido como o “homem mais sexy da Rússia”.