A invasão da Ucrânia mostrou o potencial de um novo tipo de conflito: a ciberguerra. Assim que as tropas russas avançaram, Moscou colocou em ação um ataque cibernético em computadores de serviços públicos na Ucrânia para paralisar a infraestrutura do país, uma iniciativa que certamente estava sendo preparada antes da invasão propriamente dita.

Não foi uma novidade. Há anos que a Rússia usa a Internet como ferramenta para uma guerra assimétrica contra as potências ocidentais. Putin aproveitou a popularização das redes sociais para direcionar esses ataques contra os EUA. Especialistas apontam que vários foram gestados em órgãos secretos do Exército. Os russos atacaram o partido democrata na campanha de 2016, o que ajudou decisivamente na eleição de Donald Trump, que é aliado de Putin e tinha auxiliares negociando secretamente com a equipe do russo antes de se eleger.

Em 2013, em resposta aos movimentos democráticos da Euromaidan na Ucrânia, a Rússia implementou a operação Armagedom para infiltração em agências oficiais locais com o uso de um vírus, que atacou os sistemas de comunicação do país. Em 2015, um ataque cibernético deixou mais de 200 mil consumidores ucranianos sem energia – talvez tenha sido o primeiro ataque bem-sucedido do gênero no mundo. E a guerra contra a Ucrânia também pode estar por trás de uma emergência mundial. Em 2017, um ciberataque apelidado de “NotPetya” teve repercussão global. Atingiu sistemas financeiros, órgãos de governo, companhias elétricas e veículos de comunicação em vários países, mas 80% dos alvos estavam na Ucrânia.

Agora, o feitiço pode se virar contra o feiticeiro. A Ucrânia aprendeu a se defender das investidas russas e tornou-se um polo internacional de mão de obra na área. Mais de 200 mil ucranianos são especializados em serviços cibernéticos, boa parte trabalhando para companhias do vale do Silício, nos EUA. São especialistas em áreas de ponta que podem ser úteis nesse momento, como blockchain e inteligência artificial.

Os ucranianos podem atuar agora para defender sua nação, e não estão sozinhos. O grupo Anonymous, que reúne hackers de diversos países, paralisou dez sites ligados ao governo russo, inclusive do Ministério da Defesa e do próprio Kremlin. Para restabelecer as conexões de Internet na Ucrânia, avariadas pelos mísseis russos, até Elon Musk acionou seu recém-inaugurado sistema de satélites localmente. E Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano que é ator e tem grande experiência em comunicação, soube usar o próprio celular para mobilizar os ucranianos nas redes, por meio de redes sociais.

Mostrando que está perdendo essa guerra, Putin também precisou enfrentar a reação interna. Para abafar a revolta dos russos contra a carnificina dos vizinhos, o autocrata precisou restringir o Twitter e o Facebook no país. Mostrando que a reação à desinformação está crescendo e se profissionalizando, a União Europeia bloqueou sites patrocinados pelo governo russo que divulgavam fake news no continente e o Google cortou a monetização de canais bancados pelo Kremlin, além de bloquear as informações do Google Maps na Ucrânia que poderiam ser usadas pelas tropas russas. No fim, a velocidade da tecnologia está batendo os dinossauros da KGB, que imaginavam dominar o mundo pelos novos meios, mas usando a cabeça anacrônica da Guerra Fria.