A Rússia está se tornando, a passos largos, um Estado “totalitário”, afirmou o escritor exilado Boris Akunin, incluído recentemente na lista de personalidades consideradas “terroristas” pelo governo do presidente Vladimir Putin.

“O regime de Putin claramente decidiu dar um novo passo em sua conversão de um Estado policial e autocrático para um Estado totalitário”, afirmou Akunin, que atualmente mora na Espanha, em entrevista com a AFP por videoconferência.

A Rússia incluiu Boris Akunin em sua lista de personalidades “terroristas e extremistas”. É a primeira vez em décadas que as autoridades russas adotam esta medida contra um escritor. Foi aberta uma investigação contra ele após suas críticas contra a guerra na Ucrânia.

“Quando a repressão se estende à esfera da literatura em um país como a Rússia, onde a literatura [ocupa um lugar] tão central, é um sinal importante” de alerta, observou o romancista, que também tem nacionalidade britânica.

Registrado como Grigori Chjartishvili em 1956 na Geórgia, na época uma república soviética, Boris Akunin é conhecido por seus romances policiais históricos, sobretudo, pela saga de sucesso protagonizada pelo detetive Erast Fandorin, ambientada na época czarista.

Extremamente popular, seus livros venderam mais de 30 milhões de exemplares em seu país. Várias de suas obras foram publicadas em português, como “A Jogada Turca”, “Rainha do Inverno”, “O Valete de Espadas” e “Leviatã”.

Em 2014, Boris Akunin se pronunciou contra a anexação da república ucraniana da Crimeia e, em seguida, exilou-se na Europa. Em 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, denunciou no Facebook o começo de uma “guerra absurda”.

“Venceu a loucura”, avaliou.

A inclusão de um escritor na lista de “terroristas” é algo que “não ocorria desde o período de Stalin e do Grande Terror”, a repressão maciça contra opositores na segunda metade dos anos 1930, constatou Akunin.

Um deputado do partido Rússia Unida, de Vladimir Putin, qualificou Akunin de “inimigo”, que deveria ser “destruído”.

– “Mostrem-nos Navalny vivo!” –

A editora AST anunciou, neste mês, que deixaria de publicar as obras de Boris Akunin e de Dmtir Bykov, outro escritor crítico a Putin.

“O engraçado é que os promotores [encarregados da investigação] terão que ler todos os meus livros para buscar o extremismo”, comentou, em tom de brincadeira. “Sou muito prolífico, escrevi 80 livros”.

Segundo Akunin, esta investigação poderia ser uma cortina de fumaça do Kremlin para desviar a atenção da situação do opositor preso Alexei Navalny, de quem os familiares não têm notícias há duas semanas.

“Gostaria que os dirigentes mundiais dessem um ultimato a Putin: ‘Mostrem-nos Navalny vivo!’. É muito importante”, reforçou o romancista.

Para Akunin, a repressão vai piorar. “Dois passos mais e a Rússia vai se tornar um Estado completamente totalitário”, vaticinou.

Desde 2022, ONGs e veículos de comunicação têm alertado que artistas que criticaram a invasão russa da Ucrânia ou que não manifestaram seu apoio ao poder foram demitidos ou tiveram de se exilar. Outros foram presos.

Mas, segundo Akunin, os dirigentes ocidentais cometeram um “erro estratégico”, ao não entender a lógica histórica do imperialismo russo. Os ocidentais também se equivocam, ao não apoiar os opositores russos no exílio, segundo ele.

“O trágico é que o mundo, no qual acreditavam ter encontrado refúgio, não foi hospitaleiro”, afirmou o escritor, acrescentando que vários exilados acabam voltando para a Rússia.

Ele disse acreditar, no entanto, em que os opositores conseguirão impor uma mudança na Rússia até derrubar “um regime mais frágil do que parece”.

“Penso que está claro que Putin não será derrubado militarmente” e que a mudança virá de dentro, destacou.

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