A tensão entre a autora Manuela Dias, responsável pelo remake da novela ‘Vale Tudo’, e Taís Araújo, que deu vida à protagonista Raquel, voltou a ganhar destaque após a atriz registrar uma queixa contra a roteirista no setor de compliance da Globo.
Segundo informações do F5, da Folha de S. Paulo, ambas discordaram do desenvolvimento da personagem ao longo da trama. Taís, preocupada com a forma como pessoas negras seguem sendo retratadas em produções da emissora, recorreu ao compliance para abrir espaço ao debate sobre representatividade.
Procurado por IstoÉ Gente, o ator Hugo Gross — presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro (Sated-RJ) — afirmou que o órgão ainda não recebeu nenhuma comunicação formal sobre o assunto.
Segundo ele, ao transformar o episódio em denúncia, Taís Araújo poderia estar “banalizando” a luta contra o racismo, gesto que classifica como “pura vaidade”. Para Gross, a atriz tem uma trajetória consolidada e não se justifica associar a condução de sua personagem em Vale Tudo à cor da pele.
“Eu entendo que seja pura vaidade, mas qualquer pessoa que acompanhar a trajetória vai perceber o contexto. Vários atores passam por isso: comecei com personagens pequenos, depois vieram bons papéis e, em outros momentos, voltei a fazer participações menores. Faz parte da carreira”, afirmou Gross.
O ator citou produções anteriores com protagonismo negro e avaliou que a discussão sobre falta de representatividade, neste caso, estaria sendo conduzida de maneira equivocada. “Estão banalizando essa história de que o negro não teve chance. Onde não há espaço? A TV Globo está dando prioridade para muitos artistas negros — e isso acontece há tempos. Agora está ainda mais evidente, o que é excelente, porque há muita gente talentosa e batalhadora.”
Hugo Gross ainda destacou que o racismo é uma pauta séria e não pode ser reduzido a um argumento recorrente em qualquer conflito de bastidor. “Racismo é sério. Não dá para usar sempre o mesmo discurso. Isso precisa acabar. Hoje, qualquer coisa é que o negro não teve chance”, completou.
Como começou o desentendimento
A Folha relata que, em agosto, Taís buscou Manuela para expressar sua insatisfação com os rumos de Raquel. Ela teria demonstrado desconforto com a personagem repetir estereótipos de mulheres negras submetidas a sofrimento constante. A atriz também afirmou sentir pressão de movimentos negros que, segundo ela, reprovaram a forma como a trama conduzia a protagonista.
A reunião, no entanto, acabou em discussão. Manuela rejeitou as críticas e, depois do embate, Taís encaminhou a queixa ao compliance da emissora reforçando que seu objetivo era fomentar mudanças estruturais na representação de pessoas negras nas novelas da casa.
Ainda conforme o F5, Taís reclamou que Raquel estava perdendo destaque — aparecendo pouco e principalmente em cenas de merchandising. O conflito antecede a entrevista que a atriz concedeu à revista Quem, também em agosto, quando tornou pública sua frustração com a condução da história, o que teria irritado a autora.
Após a entrevista, Manuela decidiu registrar ela própria uma queixa contra Taís no compliance, alegando que a artista infringiu o código de ética da empresa ao externar suas críticas publicamente.
Fontes ligadas à autora afirmam que ela se sentiu particularmente atingida pelo fato de Taís ter trazido a pauta racial para a discussão. Manuela também tem envolvimento com questões de raça e é roteirista de Malês, longa lançado em outubro sobre a Revolta dos Malês — considerado o maior levante de pessoas escravizadas da história do país.
Clima ruim nos bastidores
Desde o desentendimento, Manuela e Taís deixaram de se falar. Pessoas próximas à intérprete de Raquel garantem que ela não guarda ressentimentos pessoais e estaria empenhada, sobretudo, em provocar mudanças internas na emissora quanto à construção de personagens negros.