O Estado de Direito tem, dentre as suas definições precípuas, a de ser um ordenamento jurídico que impõe limites às próprias ações. Por deter legitimamente o monopólio da repressão contra aqueles que ferem as leis ou tentam subvertê-las, o Estado de Direito usa esses limites para impedir o cometimento de arbitrariedades quando reage. Tal impedimento jamais pode se traduzir, porém, em omissão e leniência. Fica claro, portanto, que nenhuma excepcionalidade e nenhum arbítrio estão acontecendo nas respostas que o Poder Judiciário está dando aos execráveis terroristas que depredaram, em Brasília, as sedes do Legislativo, Executivo e STF. Todas as medidas são legais, constitucionais, justas e à altura da barbárie ocorrida. E fica claro, também, que a Justiça não está omissa. A democracia, senhora de sua legislação, mostra que seus sinais vitais estão preservados com a célere decretação de prisão de gente graúda e triagem de mais de mil detidos. A destruição dos prédios foi o gesto; na mente a sanha mirava o regime democrático. Nem em 1955, quando o País teve tiro errado no cruzador Tamandaré e três presidentes em uma semana (Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos), viu-se tamanha insanidade. Quem saiu vencedor da selvageria bolsonarista na Praça dos Três Poderes é o Estado de Direito, uma vez que a ação do Judiciário se desenvolve, nesse momento, adstrita ao Código Penal e à Constituição. O ministro do STF Alexandre de Moraes, acertadamente, afastou do cargo o governador bolsonarista Ibaneis Rocha e decretou a prisão do ex-secretário da Segurança Pública do DF Anderson Torres e do ex-comandante da PM Fabio Augusto Vieira. Motivo: todos eles foram notoriamente coniventes com o terror ao não reprimi-lo. Ainda em relação ao que é fulcral ao Estado de Direito, cabe aos chefes de instituições o zelo pela incolumidade jurídica e política dos princípios republicanos. Vale lembrar a tão antiga e, ao mesmo tempo, tão atual frase do orador John Philpot Curran, que integrou a Câmara dos Comuns da Irlanda. Discursou ele em 1790: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Nesse ponto, no cruzamento entre a “eterna vigilância” e o “preço da liberdade”, houve omissões nos andares de cima e intermediários da hierarquia do poder distrital que facilitaram o avanço do terror no coração do Brasil. Aonde estava o Batalhão da Guarda Presidencial? Os golpistas queriam enfraquecer Lula? Pois acabaram dandolhe melhor prestígio mundial e maior força política interna. Houve gente, da lei, dolosamente colaborando com a criminosa tentativa de abolir o Estado de Direito. Posto isso, faz-se urgente encarcerar não apenas os bárbaros que sujaram as mãos, mas também os que insuflam o caos — entre eles, Jair Bolsonaro, homiziado nos EUA. Todos devem ser punidos – e, prouvera a Deus, o serão – porque cometeram crimes. No caso dos financiadores (empresas do agronegócio, comerciantes e CACs, segundo o ministro Flávio Dino), hão de ser condenados. É claro que a coisa não vai se estancar em Brasília, apesar de os acampamentos em quartéis terem sido desmantelados no País. A insana extrema direita cresce com rostos visíveis de ativistas, e a movê-los estão faces ocultas de financiadores – foi assim na Itália nos anos 1920, deu no fascismo. Por isso, a quadrilha endinheirada que financia o terrorismo tem de ser presa imediatamente. Lula acertou em decretar intervenção federal no setor da segurança em Brasília, a PF acertou em requerer a prisão de Torres, o ministro Alexandre de Moraes segue acertando nas decisões. Quanto aos erros, um dos principais foi a não exoneração (ainda é tempo) do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, quando ele disse que os acampamentos eram democráticos. O imprescindível, agora, é punir os envolvidos. E já! Aos terroristas do Palácio, Congresso e STF, aos terroristas das torres de energia, aos terroristas das vias obstruídas, aos terroristas que operam e aos que dão grana, a todos eles fica a certeza de que não contam com a cumplicidade dos verdadeiros guardiões do Estado de Direito nem com a anuência da maioria da sociedade para suas intentonas.