Público ou privado? Financiamento ao desenvolvimento gera debate em Sevilha

Diante dos cortes drásticos dos países ricos na ajuda pública ao desenvolvimento, erguem-se vozes que reivindicam um aumento do protagonismo do setor privado no financiamento dos países do Sul, uma solução que gera muitas relutâncias nas ONGs.

Segundo a ONU, que até quinta-feira organiza uma conferência sobre o financiamento ao desenvolvimento na cidade espanhola de Sevilha, faltam US$ 4 trilhões (R$ 21,8 trilhões, na cotação atual) ao ano para cumprir os objetivos da Agenda 2030 nas áreas de saúde, educação e meio ambiente.

A situação, que vem acompanhada de graves consequências sociais, poderia piorar, pois vários países anunciaram nos últimos meses uma redução em sua ajuda, entre eles França, Reino Unido, Alemanha, mas especialmente os Estados Unidos.

Este último era, até agora, o principal país doador para muitas agências e ONGs. Mas o fim da agência americana USAID, decidido pelo presidente Donald Trump, mudou a situação e fez disparar a relevância dos investimentos privados.

“Precisamos do setor privado e dos empregos que cria porque os empregos são a forma mais segura de acabar com a pobreza”, disse, em Sevilha, o presidente do Banco Mundial, Ajay Banga.

“O financiamento público por si só não será suficiente. Mobilizar o capital privado não é apenas uma estratégia complementar, é essencial”, insistiu Christopher MacLennan, encarregado do desenvolvimento internacional do governo canadense.

– Atender às prioridades –

No documento aprovado durante a conferência, destinado a revitalizar a ajuda ao desenvolvimento, os países se comprometeram a gerar fundos “de todas as fontes, reconhecendo as vantagens comparativas dos financiamentos públicos e privados”.

A abordagem é defendida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que busca aumentar as associações com os atores privados, mas garantindo que se orientem melhor para as necessidades reais dos países do Sul.

“Temos muitos capitais privados, mas nem todos estão alinhados com as prioridades nacionais (…) Sabemos que o dinheiro está aí, mas não vai para o local adequado”, declarou à AFP o chefe do PNUD, Haoliang Xu.

Para muitas ONGs, esta dinâmica não está isenta de risco: os credores privados, que já detêm mais da metade da dívida dos países de rendas baixa e média, são menos flexíveis que os Estados quanto às condições de reembolso para seus empréstimos.

Estes atores agravam a crise da dívida “por sua negativa em negociar”, denunciou a Oxfam em um relatório, no qual mostrou seu compromisso com o desenvolvimento liderado pelos países, em sua avaliação mais favorável para os países mais pobres.

Os países ricos devem parar de “se agarrar à ilusão de que o setor privado possa, por si só, fechar a brecha” existente em termos de financiamento climático, alertou, por sua vez, Rebecca Thissen, da Climate Action Network.

– Nova arquitetura financeira –

Para a OCDE, apenas 12% do financiamento privado mobilizado entre 2018 e 2020 foram destinados aos países de baixa renda. Estes costumam ser considerados de maior risco, o que leva os credores a exigirem taxas de juros mais altas, agravando a dívida destes países.

Para Laura Carvalho, professora de Economia da Universidade de São Paulo, o financiamento privado atrai os países em desenvolvimento como “uma fonte (…) mais sustentável, que não leva a espirais de dívida”.

Mas até agora, não conseguiu proporcionar recursos na escala necessária e é percebido “como uma forma de desviar o compromisso” das nações ricas, assegura à AFP esta pesquisadora, que também assinala que às vezes as promessas dos investidores são “fictícias”.

O “poder transformador” das empresas e das finanças privadas só pode ser aproveitado com uma nova arquitetura financeira internacional, advertiu o presidente da Comissão da União Africana, Mahmoud Ali Youssouf.

O presidente do Quênia, William Ruto, reforçou esta mensagem e aproveitou para pedir aos Estados Unidos para reverter seus cortes orçamentários: “O financiamento público internacional continua sendo indispensável”.

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