O Núcleo Aplicado de Psicologia do Esporte (Nape), do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), dedicado ao estudo de atletas de alto rendimento, mostra que a psicologia pode contribuir para o aprimoramento da performance desses atletas em diferentes formas de atuação. “Essa é a ideia central do nosso laboratório, que existe há seis anos na Uerj”, disse à Agência Brasil o coordenador do Nape, professor Alberto Filgueiras. Alguns atletas que estão disputando os Jogos Olímpicos, no Japão, participaram dos estudos.

A primeira frente de pesquisas para auxiliar os atletas a ter melhor rendimento diz respeito às funções executivas e ao esporte. “Funções executivas são um grupo de processos da nossa mente, ou formas de pensar, que nos ajudam a render melhor em todos os aspectos da vida”. No caso específico do esporte, Filgueiras disse que é fundamental ter boas funções executivas, no sentido de executar bem alguma coisa.

Os pesquisadores do Nape descobriram que a capacidade de tomar boas decisões em uma competição, ou durante uma disputa, está associada com melhores níveis de funções executivas. A memória de curto prazo, ou memória de trabalho, faz parte dessas funções. “Ela é fundamental para esportes viso-espaciais, como futebol e vôlei.

Um tipo de função executiva é o chamado controle inibitório, que é a capacidade de inibir diferentes estímulos que causam algum tipo de distração. Nesse caso, fala-se de esportes de resistência, de provas longas, como maratona e maratona aquática. Por último, tem a função de flexibilidade cognitiva, que é a capacidade de pensar estratégias diferentes para a vida e para o esporte, em especial. Isso é visto em atletas de luta e em esportes que buscam fazer pontos contra os adversários, a exemplo de vôlei, vôlei de praia e do basquete.

Flexibilidade

A estratégia para vencer o adversário depende muito dessa flexibilidade cognitiva, afirmou o professor. “A gente sabe, concretamente, que quando comparados a pessoas normais, os atletas de elite têm até 30% mais essas funções executivas do que nós, meros mortais. Os atletas conseguem inibir distrações 30% melhor, conseguem reter informações na memória 30% a mais e também conseguem pensar em diferentes estratégias, ou seja, ser mais criativos, 30% mais do que nós”, acrescentou.

O estudo descobriu também que quando esses atletas não estão bem em termos de saúde mental, o rendimento cai. “E cai junto a performance em funções executivas”, destacou Filgueiras. Quando o atleta está mal do ponto de vista da saúde mental, ele é melhor do que uma pessoa comum apenas fisicamente, porque está mais bem preparado. Comparado, porém, com outros atletas que têm a saúde mental em dia, seu rendimento esportivo é pior, bem como as funções executivas. “O que nos ligou um alerta é que, do ponto de vista de saúde mental, atletas de alto rendimento podem chegar a ter até três vezes mais prevalência de transtornos de ansiedade e depressão do que a população em geral”.

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Alberto Filgueiras informou que, em geral, atletas de alto rendimento vivem, em média, cinco anos a mais que a população em geral. “São mais longevos e têm muito menos doença cardíaca ou vascular. Ou seja, fazer esporte de alto rendimento é algo benéfico à saúde física. Porém, não é benéfico à saúde mental. Do ponto de vista psicológico, essas pessoas apresentam piores níveis de bem-estar, qualidade de vida e saúde mental quando comparados com o restante da população. Isso vale um alerta. É uma espécie de compensação, de equilíbrio”.

Soluções

O laboratório busca também soluções para os problemas. Segundo os pesquisadores, há quatro distintas técnicas que são eficazes para a melhora de rendimento e performance de atletas. Uma delas é a imagem mental, que envolve a visualização e todas as estruturas sensoriais, como olfato, tato, paladar. Ela serve para diminuir a ansiedade do atleta e para melhorar o aprimoramento da técnica e da estratégia de competição. Outra boa técnica é o estabelecimento de metas. “Não é estabelecer qualquer meta, nem fazer de qualquer maneira. É necessário ter um ajuste fino para cada atleta, para que se possa estabelecer a meta correta para cada um e que seja atingível, porque se um determinado atleta não se considera capaz, ele pode acabar desmotivado. Se, por outro lado, é dada a outro atleta uma meta fácil, ele também pode acabar desmotivado”.

O fundamental, na opinião de Filgueiras, é que a meta não pode estar atrelada a um resultado. Isso se explica porque o resultado na competição não está totalmente sob o controle do atleta. O processo de preparação aumenta a chance de alcançar o resultado final, mas não garante o resultado final. “A gente já percebeu que esse é um problema”. A meta deve estar atrelada ao dia a dia do atleta.

Outra técnica psicológica é a construção de time, em que se faz intervenções em grupos para que seus integrantes passem a ter os mesmos valores internos e os mesmos objetivos. A tendência é ter o mesmo nível de coesão. “A gente sabe que a coesão de um grupo está associada ao nível de rendimento desse grupo em competições”.

Diálogo interno

A última técnica é o diálogo interno. “A nossa mente vai aonde ela quer e não para onde a gente quer que ela vá”, observou o professor. A psicologia está aí para ensinar às pessoas a lidar com esses pensamentos, de forma a construir um diálogo interno que seja o tempo todo positivo e focado no que a pessoa tem que fazer durante a competição. O Nape ensina a substituir pensamentos negativos por outros que são mais úteis para o rendimento do atleta. Para evitar que a saúde mental do atleta seja afetada, é necessário fazer um trabalho para ele conversar melhor consigo mesmo na parte pessoal, e não se sinta culpado por tomar um sorvete, por exemplo.

Os psicólogos do Nape chamam o diálogo interno de reestruturação cognitiva, que é a modificação ou substituição de um pensamento antifuncional, isto é, que não funciona, por outro funcional. A dificuldade é que cada pessoa vai ter um pensamento substitutivo diferente. “Não dá para chegar com aquelas frases prontas, os chamados valores do esporte, que não funcionam para todos os atletas”, advertiu Alberto Filgueiras. Por isso, ele disse ser fundamental que o profissional que faz o treinamento técnico saiba como fazer a modificação desses pensamentos, para que eles sejam adequados àquele indivíduo.


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