30/06/2019 - 7:20
O que você faria se soubesse que está com os dias contados?
Uma costureira faz um exame qualquer, por uma questão trabalhista, e ao receber o resultado descobre que tem apenas seis meses de vida. Mãe de três filhos, ela surta: joga uma pedra na vidraça da loja em que trabalha, rasga o vestido de uma cliente, canta sofrência no trem, liga para seu primeiro amor e diz que sempre o amou, desabafa no botequim e vai para a cama com um desconhecido. E poucos dias depois, claro, descobre que seu exame havia sido trocado com o de outra pessoa. Assim começa Bom Sucesso, a próxima novela das 19h, da Globo, com estreia prevista para 29 de julho.
Aliviada e com a vida destruída, ela tem a exata noção de que viveu mais nesse breve período do que antes; sabe também que nunca se sentiu tão livre. Ela então decide procurar a pessoa que vai morrer em seu lugar, achando que ele poderá entender o que ela sentiu, e está sentindo, e o encontro entre Paloma (Grazi Massafera) e o carrancudo Alberto (Antônio Fagundes) é a trama principal da novela. Quem conta isso tudo é Rosane Svartman, autora de Bom Sucesso ao lado de Paulo Halm.
E aqui entra a literatura. Vivendo em realidades muito diferentes – ela é pobre e ele, rico -, os dois são apaixonados por livros. Os filhos dela têm nome de personagens importantes da literatura: Alice (do País das Maravilhas), Gabriela (Cravo e Canela) e Peter (Pan). Ele foi um vendedor de enciclopédias porta a porta que virou um editor de sucesso publicando as mesmas enciclopédias, livros acadêmicos e também clássicos literários em edição de luxo. A morte os aproximou e, cercados por livros, eles vão nutrir uma amizade improvável.
“Ela vai ensiná-lo a viver o resto do tempo que ele tem de uma forma não sofredora e sem desespero e vai mostrar a beleza das coisas simples, da vida simples. E ele vai instrumentalizá-la para que ela possa conhecer um mundo muito maior do que aquele que ela tinha”, explica Paulo Halm.
Antônio Fagundes comenta que antes de seu personagem Alberto conhecer Paloma, ele está amargo – e não só pela sentença de morte. Era mal-humorado, irascível – e só amolecia um pouco com a netinha. “O encontro desses dois acaba sendo um hino à vida. Ele vai perdendo a amargura e descobrindo uma nova forma de se encaminhar para a morte, que é certa”, diz o ator ao jornal O Estado de S. Paulo – e estende um livro à reportagem.
Trata-se de A Morte É Um Dia Que Vale a Pena Viver (Sextante), de Ana Claudia Quintana Arantes, que Fagundes e os autores conheceram quando já tinham o argumento da novela, mas que, contam, tem sido de grande ajuda para pensar questões que rodeiam a morte, como os cuidados paliativos. “Alberto está vivendo até o último segundo dele, e o livro fala disso muito bem”, diz Fagundes que, de tão encantado, comprou 20 exemplares e os tem distribuído por aí.
“O que é bonito, e que a novela traz para cima, é realmente esse hino à vida. Vai morrer? Sim, todos nós vamos morrer. A diferença é que talvez o Alberto saiba um pouquinho mais do que os outros – e mesmo assim pode ser que qualquer um morra antes dele”, diz Fagundes.
Para o ator, o que Bom Sucesso traz de novo é justamente esse modo diferente de encarar a morte. “Ela vai tirar o mal-estar que a morte pode provocar. Nós nos recusamos a falar dela, e quanto mais cedo começarmos é melhor.”
Eles passeiam, desfilam na Sapucaí, trocam experiência, conversam. Ele dá livros para ela ler que vão dialogando com o momento que ela está vivendo. E ao ler, ela é transportada para os cenários da história. Enquanto isso, o mundo vai se complicando ao redor da dupla.
O primeiro amor de Paloma volta dos Estados Unidos, onde joga basquete, quando sabe que ela vai morrer. O cara com quem ela passa a noite é ninguém menos do que o filho do Alberto. E há os problemas cotidianos: ela está desempregada; uma das filhas quer jogar basquete profissionalmente, mas os times femininos são escassos; a outra quer estudar Letras e namora um menino que já se formou e não trabalha (mas gosta de slam) e o caçula quer ser youtuber. Eles vivem em Bom Sucesso, e a escola pública local será outro núcleo da novela – com uma atriz transgênero, Gabrielle Joie, escalada para viver uma das estudantes.
Do lado de Alberto, como se já não bastasse todo o problema de saúde, a família tenta reerguer a tradicional editora Prado Monteiro. Depois de se consolidar no mercado e viver seu auge, a empresa vive uma grave crise – fruto, principalmente da postura radical de seu fundador. No mundo inteiro, os grupos editoriais foram criando selos para comportar um catálogo heterogêneo que incluísse, por exemplo, um clássico em edição de luxo, a biografia de uma celebridade e um livro derivado de algum canal de sucesso no YouTube. Alberto nunca aceitou isso e sua filha, Nana (Fabiula Nascimento), vem tentando administrar a casa, apesar de seu marido, interpretado por Armando Babaioff, torcer contra. Com a doença, ele recorre também a Marcos (Romulo Estrela), seu filho que rompeu com tudo porque o pai nunca considerou suas ideias, foi morar em Búzios e volta agora – com a mesma paixão de Alberto pelos livros, mas com ideias mais arejadas.
Foi na Bienal do Livro do Rio, em 2017, que esse personagem editor começou a surgir na cabeça de Rosane Svartman. Naquela edição, ela foi curadora da Arena Jovem (e será de novo agora) e se encantou com este universo. “Eu nunca tinha visto 700 mil pessoas procurando livros – e também selfies e celebridades.” Conheceu editores, acompanhou conversas sobre a crise do mercado editorial, sobre o baixo índice de leitura no Brasil. Viu gente querendo contar histórias e editar livros. E colocou isso tudo em sua novela.
“É um momento importante para que isso aconteça”, diz Fagundes. “Estamos vendo quase um desmanche da cultura – tudo fechando ou pegando fogo, as verbas cada vez mais reduzidas – e a gente tendo cada vez menos essa postura de cidadão que a cultura proporciona. Colocar isso numa novela, para uma faixa etária mais baixa, é reafirmar a força da literatura, da cultura, para a formação do País”, completa o ator.
Doença, vida, morte, como sobreviver a tempos difíceis. Esse é o tema da novela, que serve, também, para discutir outras coisas. “Este é um momento muito delicado, de transições tecnológicas, políticas e sociais. Temos de entender que ele pode ir para qualquer lado, para onde a gente quiser. Como a morte. Se você quiser, a morte pode ser extremamente dolorosa. Mas, se fizer um pequeno esforço, ela pode ser digna, uma coisa boa de ser vivida. Estamos nessa encruzilhada. Estamos vivendo um momento em que as coisas podem mudar para melhor ou para pior. Vai depender da nossa vontade. E a nossa vontade passa por isso que a novela propõe que é um diálogo. Um diálogo entre diversas forças sociais, tipos de pensamentos e de esperanças”, diz Fagundes.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.U