O israelense Uri Levine, de 51 anos, se diz um homem simples. Multimilionário desde 2013, quando vendeu, ao lado de seus sócios, o aplicativo de navegação Waze por US$ 1,1 bilhão ao Google, ele ainda vive em uma casa alugada, prefere a bicicleta ao carro e não entende por que alguém gasta fortunas ostentando. Levine também se descreve como um empreendedor serial. Desde que saiu do Waze, investiu em nove startups nas mais variadas áreas, não resiste a um bom negócio e viaja o mundo fazendo uma média de 30 palestras por ano sobre o tema que mais ama: empreendedorismo. “É minha missão”, diz. Nesta entrevista à ISTOÉ, ele explica os motivos pelos quais não trabalharia no Google, por que o Brasil é um ótimo lugar para empreender e como, em até 10 anos, os carros autônomos vão revolucionar o mercado de mobilidade.

Em 2013, o Waze foi vendido para o Google por US$ 1,1 bilhão. O sr. não comprou mansão, carro de luxo e não gastou dinheiro como alguns dos seus sócios. Por quê?

Acho que gastei mais dinheiro que todos os meus sócios desde a venda do Waze. Mas o fiz investindo em startups e não em carros ou casas. Vivo muito bem em uma casa alugada, me locomovo de bicicleta ou transporte público e, quando preciso de carro, uso o da empresa. Sou uma pessoa simples e a simplicidade não foi exatamente uma opção. Sempre fui assim, então continuei assim.

Por que o sr. não continuou no Waze depois da venda, como fizeram seus sócios?

Já estava com novos projetos de startups na cabeça e sabia no que queria investir a seguir. Alías, em 2009, já sabia que a FeeX seria a minha próxima startup. Tratei a venda do Waze como uma oportunidade para começar o próximo negócio.

Não dava para começar esse novo negócio dentro do Google, com a estrutura e a segurança da empresa?

Dava, mas sou um encrenqueiro. Não sobrevivo em grandes organizações e não costumo me adaptar à cultura. Não lido bem com funcionários que fazem drama, por exemplo, ou que se fazem de vítima. Não tolero conformistas. Então não me vejo encaixado em uma grande organização, mesmo que essa organização seja o Google, que julgo ser uma das melhores empresas do mundo.

Como surgiu o Waze?

A ideia original veio do Ehud Shabtai, diretor-chefe de tecnologia (CTO) do Waze. Ele idealizou um aplicativo de GPS que rodasse em PDAs (computadores de mão) e atualizasse o mapa na medida em que o motorista dirigisse. Inicialmente, o serviço só funcionaria em Israel. Quando entrei no projeto, em 2007, sugeri que o aplicativo fosse desenvolvido para smartphones, e não PDAs. Concordamos e começamos a trabalhar.

De quem foi a ideia de exibir informações de trânsito em tempo real?

Foi minha. Mas ter a ideia não é importante. Ideia boa todo mundo tem, viabilizar é o que importa. Decidir fazer algo a respeito da ideia é o primeiro grande salto do empreendedor. É quando começa a parte mais difícil da jornada: a execução.
O que foi mais difícil na criação do Waze?
Foram muitas coisas. A mágica do Waze é que os mapas, as informações de trânsito, os alertas e todo conteúdo exibido para os motoristas são gerados pelos próprios motoristas. Então, para o produto funcionar, precisamos de usuários – muitos deles. E, no começo, ninguém tem muitos usuários. Foi um período complicado.

Os srs. esperavam que o Brasil se tornasse um mercado tão grande para o Waze?

Sim, tínhamos essa expectativa desde o começo. O Brasil é o quarto país no mundo com mais carros, 50 milhões, atrás apenas dos Estados Unidos, China e Japão. E o trânsito é muito ruim. Sempre soubemos que haveria forte demanda por um serviço como o Waze e hoje temos algo como 40 milhões de usuários no País.

Israel é descrito como um dos melhores lugares do planeta para abrir uma startup. O que explica isso?

São muitos fatores, mas acho que três se destacam. O primeiro é que lá todos são obrigados a servir o exército. Isso cria uma cultura de pragmatismo diante dos problemas. Outra resposta é a grande tolerância que temos com o fracasso, o que é ótimo para empreendedores. O segundo empreendimento tem cinco vezes mais chances de dar certo que o primeiro. Por fim, há o fator de termos um ecossistema que dá suporte ao empreendedor. Quem abre uma startup em Israel tem apoio do governo, do sistema tributário, das leis, dos investidores e até da mídia, que escreve sobre as empresas antes do sucesso, não depois.

O Brasil tem vocação para ser um destino para startups, como é Israel?

Eu acho que sim, porque Israel não foi sempre assim. Houve um esforço consciente e deliberado para que o país se tornasse um destino para as startups. Essas condições foram criadas. Então elas podem ser recriadas.

O sr. investe em pelo menos três startups que operam no Brasil – o que faz do Brasil um bom lugar para se abrir uma startup?

O mercado brasileiro tem três especificidades que fazem dele atraente. Primeiro, ele é grande. Segundo, há pouca competição. E, terceiro, o boca a boca tem uma força incrível. Aqui, se você tem um bom produto, quem usa esse produto fala dele para os amigos, que confiam na indicação e vão testar a solução. Isso não acontece na Inglaterra, por exemplo, nem no Japão.

Uma das startups em que o sr. investe no Brasil, a Solomoto, ajuda pequenas empresas a vender e a divulgar produtos online. A crise pela qual passou o País no último ano afetou o negócio?

Não sentimos nenhum impacto. O pequeno empresário sabe que, em momentos de crise, investir ou não em estratégias de venda e divulgação de produtos online pode ser a diferença entre sobreviver à crise ou fechar as portas. Na crise, você reorganiza suas prioridades e investimentos, mas não deixa de investir – e precisa investir com inteligência.

Nenhum dos negócios do sr. no Brasil sofreu com a crise econômica e política do País nesses últimos tempos?

Entre 2015 e 2016, a crise mundial no financiamento de startups teve muito mais impacto sobre os meus negócios do que a crise brasileira. Nesse período, por exemplo, tive que dedicar mais do meu tempo e dinheiro às minhas startups. Como resultado, não consegui criar um novo empreendimento sequer no último ano. Coisa que devo fazer agora, em 2017.

Boa parte das novas startups do sr. ajuda usuários a economizar, seja em passagens aéreas, manutenção automotiva ou taxas sobre investimentos. Por que somos tão ruins na hora de economizar?

Não acho que somos ruins na hora de economizar – algumas pessoas e empresas é que são muito boas na hora de tirar o dinheiro da gente. Com startups como a FairFly, a Engie e a FeeX quero equilibrar as forças. A ideia, com esses serviços, é dar ferramentas ao consumidor para que ele consiga competir, em pé de igualdade, com companhias que são muito competentes na hora de vender.

O sr. pode dar um exemplo?

O FairFly é um serviço que deve começar a funcionar no Brasil em breve e foi criado para ajudar o consumidor a ter certeza de que ele comprou uma passagem aérea pelo menor preço possível. Hoje, todo mundo sabe pesquisar passagens online antes da compra, mas, uma vez feita a aquisição, a busca termina. O que o FariFly faz é acompanhar a evolução no preço da passagem depois da compra do bilhete. Ou seja, se o preço da passagem cair, com o FairFly você vai ficar sabendo e poderá economizar. Fora do Brasil, a economia pode passar de 20% por trecho.
O sr. revolucionou a mobilildade nas cidades com o Waze. De onde virá a próxima grande revolução no setor?
A próxima revolução virá por meio dos carros autônomos. As mudanças serão gigantescas e rápidas. As pessoas poderão chamar um carro para buscá-las e levá-las ao destino quando elas quiserem. Será como o comando de uma varinha mágica, que fará o carro aparecer e desaparecer. Nesse cenário, elas perceberão, rapidamente, que não faz mais sentido ter um carro próprio. Elas passarão a comprar milhas em um carro, ou horas de uso – e não o veículo em si. É uma mudança enorme no modelo de negócios que rege esse mercado. Haverá também mudanças na estrutura urbana das cidades e a reorganização dos espaços de circulação.

Ainda estamos distantes dessa realidade?

Em cinco ou dez anos já vamos ter a opção de comprar um carro autônomo ou pagar por um serviço de transporte com carros autônomos. A próxima geração não terá sequer carteira de motorista.

Quais os gargalos tecnológicos no caminho dos carros sem motorista?

O maior deles, hoje, é humanizar a experiência a bordo desses veículos. Em breve, teremos tecnologia para que um carro autônomo de 1.99 metro de largura percorra uma viela de dois metros de largura a 100km/h, tamanha a precisão do software e do hardware embarcados. Agora, quem gostaria de estar dentro de um carro fazendo uma loucura dessas? Seria assustador! Dar ao software essa sensibilidade humana é o grande desafio. O carro precisa entender que, embora levar o passageiro de um lugar para o outro da forma mais rápida e segura seja o seu objetivo, não apavorar esse passageiro também é importante.

O sr. costuma repetir uma frase nas palestras que faz para empreendedores: “apaixone-se pelo problema, e não pela solução”. Por quê?

Estou em busca de problemas que valem ser resolvidos. Problemas que são grandes o suficiente para merecerem uma solução. E o primeiro passo é sempre se apaixonar pelo problema, tomar posse dele, mergulhar no problema. Quando você foca no problema, as chances de encontrar uma solução são muito maiores.

STARTUPS

Entre as startups nas quais Uri Levine investe estão a FeeX, criada para reduzir as taxas de administração sobre investimentos, a FairFly, para garantir a compra passagens mais baratas, a Engie, de diagnóstico e manutenção de problemas em automóveis, a Solomoto, que ajuda pequenos empresários a administrar a presença de suas empresas online e a vender seus produtos na web, a Moovit, que otimiza a utilização do transporte público, a Roomer, que funciona como um mercado para venda de reservas de hotel com descontos, a Zeek, de compra e venda de cupons de desconto e a SpamOff, que ajuda vítimas de spam a cobrar indenização de quem envia as mensagens não solicitadas.