A Câmara dos Deputados experimentou sua maior renovação da história e, entre os deputados de primeiro mandato, uma das gratas revelações tem sido Felipe Francischini (PSL-PR), atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. Sua primeira missão foi dar celeridade à tramitação da Reforma da Previdência. Conseguiu. Mesmo assim, após a aprovação em primeiro turno, ele admite: faltou ambiente político para que o projeto andasse mais rápido. “Poucos partidos apoiavam abertamente a reforma, apenas o PSL e o Novo”. Para o segundo semestre, a prioridade da CCJ é desengavetar uma série de projetos que estão parados há mais de 30 anos, como os que modificam o Código Penal. Um deles é polêmico: aumenta para 50 anos o tempo máximo de prisão no Brasil — hoje, o limite é de 30 anos. Advogado, Felipe também defende em entrevista à ISTOÉ que os hackers presos pela Polícia Federal não devem ficar impunes e que as mensagens divulgadas entre os procuradores da República do Paraná e o ministro Sergio Moro não podem ser usadas para libertar o ex-presidente Lula. “É prova ilícita”, afirmou.

Em seu primeiro mandato, o senhor assumiu logo a CCJ. Sentiu o peso da responsabilidade?

Em um primeiro momento, foi um grande desafio assumir a CCJ. Uma comissão tão importante, logo no primeiro ano de mandato. Mas eu, desde quando fui deputado estadual no Paraná, sempre procurei estudar exaustivamente tudo aquilo a que eu me propus a fazer. Antes mesmo de assumir o colegiado, eu já tinha lido o regimento interno, questões de ordem, etc.

O senhor acha que a Reforma da Previdência poderia ter sido mais célere na CCJ?

O processo da reforma na CCJ realmente poderia ter sido mais rápido. Mas eu sempre ressaltei que estava esperando o ambiente político melhorar, porque naquele momento não estava bom. Apenas o PSL e o partido Novo apoiavam abertamente a reforma. Então eu segurei até o governo conseguir se organizar. É um governo novo, que não tinha uma base forte e que lançou um projeto tão importante logo no início da gestão. Então, tinha que ter um tempinho natural para as coisas se acalmarem.

O senhor acredita que o governo mais ajudou ou mais atrapalhou a tramitação da Reforma?

Na minha visão, ajudou. O presidente tem muita popularidade. Então, quando se manda um projeto desse nível como o da Reforma da Previdência para a Câmara, ou mesmo o da Reforma Tributária – o vai acontecer agora -, é importante que o Executivo tenha popularidade. E isso contribuiu muito para o andamento do projeto. Veja que no final da tramitação da Previdência na Câmara, as pesquisas indicavam que a maior parte da população era favorável à proposta, algo impensável dois ou três anos atrás.

Foram geradas crises desnecessárias?

Algumas vezes foi isso mesmo o que aconteceu. Enquanto a Previdência estava na CCJ, não havia risco de boicote ou de o projeto não ser aprovado. Atrasou um pouco porque eu realmente dei esse tempo maior na tramitação para que o governo pudesse se organizar um pouco melhor, principalmente na fase final da tramitação.

Como presidente da CCJ, e filho de um ex-delegado da PF (Fernando Francischini), como viu o crime relacionado aos hackers do ministro Sergio Moro presos pela PF?

É impensável que os responsáveis por um crime como esse cometido pelos hackers, em que houve que a invasão de privacidade e quebra no sigilo de dados do ministro Sergio Moro, fiquem impunes. Foi corretíssima a operação. Agora, o que precisa ser esclarecido é quem está por trás disso. Os hackers já admitiram culpa, mas precisamos saber se havia mais alguém nesse crime, precisamos saber se os jornalistas estavam envolvidos de alguma forma, em conluio com os invasores. Na minha visão, a simples divulgação jornalística não é crime. É algo amparado pela Constituição. Mas, se houve conluio, aí estamos diante de um outro crime. E precisamos saber também se alguém pagou os hackers ou incentivou o crime. Algum partido, alguma pessoa…

O senhor acredita que pode haver nulidade no processo contra o ex-presidente Lula por causa das revelações das mensagens do ministro Moro?

Prova obtida por hackers não pode servir para libertar Lula. Na minha visão não muda nada no processo do ex-presidente. As mensagens não revelaram nada grave contra Moro. E mesmo que algo grave surja, os vazamentos estariam amparados na questão da obtenção de prova ilícita. Por exemplo, mesmo que houvesse alguma irregularidade por parte do ministro Moro, e a quebra de seu sigilo tenha ocorrido sem uma ordem judicial, não há como se fazer uma análise de mérito mais aprofundada. O material das mensagens de Moro com os procuradores de Curitiba foi obtido de forma ilegal. Se você foi invadido por hackers, isso não pode ser utilizado como prova no devido processo legal. E isso vale para qualquer cidadão brasileiro.

Tem que se respeitar o devido processo legal…

O cidadão tem que ter sua intimidade protegida. O direito à liberdade e à intimidade é algo garantido pelo estado. E se o estado passar a permitir a utilização de prova ilegal, o próprio estado estará indo de encontro ao seu escopo, que é o de proteger a intimidade do cidadão.

E para o segundo semestre, quais são as prioridades?

Vou tratar primeiramente da reforma eleitoral, mais especificamente das eleições de vereadores e prefeitos. Outra questão é a PEC do sigilo de dados. Esse direito da privacidade de dados está expresso na Constituição. O governo também está estudando se vai mandar algumas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), como a da Reforma Tributária. Se mandar, vai ter que passar primeiramente pela CCJ e lá vamos dar agilidade a ela, para que tramite em conjunto com o projeto de reforma do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que já está na Câmara. Separei também cerca de 2 mil projetos na área de segurança pública para dar seguimento na CCJ. Projetos que determinam penas mais duras. Por exemplo, o cidadão, por pior que seja o crime, somente pode ficar 30 anos preso. Então, tem um projeto que altera isso para 50 anos. É de autoria do deputado José Medeiros (Podemos/MT). Queremos aproveitar e fazer uma ampla reforma na área de segurança pública e no Direito Penal.

Mas a última reforma no Código de Direito Penal na Câmara demorou anos tramitando na casa…

Não vai chegar a ser uma reforma ampla. Serão mudanças pontuais de acordo com cada projeto. Tem projetos que tramitam aqui desde 1983, projetos parados há 10, 15 ou 20 anos. O que eu vou fazer, neste segundo semestre, é dar celeridade a estes projetos.

Há ambiente político para se aumentar o tempo máximo de prisão para 50 anos?

Eu acredito que esse projeto possa caminhar, mas temos que fazer a contagem de votos. É um pleito que a sociedade pede há algum tempo.

E sobre a reforma Política? O que pode ser modificado já para ano que vem?

Alguns deputados querem implantar o sistema distrital, o distrital misto, o distritão misto, mas tudo isso é algo que eu avalio que não vai dar tempo para que mudanças tenham validade para o ano que vem. Agora, se a discussão for feita, acho que poderá valer para as outras eleições. Uma coisa que tem ambiente político para mudarmos já é a questão da cota de 30% das candidaturas femininas. Hoje, você tem a cota de 30% para mulheres, mas se você não atingir essa meta, você não pode lançar 70% dos homens. Tem que ser na mesma proporção. Na minha visão, e na visão de muitos dirigentes partidários, esse modelo é injusto. Então, a deputada Renata Abreu, presidente do Podemos, apresentou um projeto que corrige exatamente isso. Fica resguardada a cota de 30% das vagas para mulheres, mas isso não vincula os 70% dos homens. Se você não atingir a cota de 30% de mulheres, isso não obriga o partido a tirar homens para garantir esse percentual.

E em relação ao PSL, seu partido, o senhor acha que caminha para a unidade, depois de muito bate-cabeça?

Eu acredito que sim. Tenho insistido bastante nisso e vou trabalhar para que o pessoal possa, cada vez mais, trabalhar de maneira conjunta. Claro que o primeiro semestre foi de adaptação. Muitos nunca haviam exercido qualquer cargo público. Mas, agora, na minha visão, todos já têm que estar adaptados. No segundo semestre, todos no partido precisam falar a mesma linguagem, têm que ter pautas claras em nome do partido e direcionadas pelo bem do governo e do País.

Até porque, o PSL é o partido do presidente…

Exato. Eu vejo que muita gente já cresceu muito, já amadureceu mais. Em síntese, no parlamento é sempre necessária a negociação política. Você tem que saber até onde pode ir. Você sabe que tem ideias que você quer implementar, mas às vezes precisa entender que não há ambiente político para elas, não há voto para implementá-las. Então, não vale a pena você se desgastar com projetos, por mais importantes que sejam, mas que naquele momento não têm votos para passar na Câmara. Muitas vezes, há projetos que são mais do interesse de cada parlamentar, feitos para aparecer junto ao seu eleitor, pelo fato de estar carregando uma bandeira, do que efetivamente trabalhar pelo país ou pelos objetivos do governo. Eu acho que essa visão de trabalho isolado já acabou. Muitos deputados estão mais afinados com o processo legislativo. Por isso, acho que o segundo semestre será muito melhor para a bancada do PSL.

E as pautas de costumes? Há ambiente político para que elas sigam neste segundo semestre de 2019 ou ficarão para ser discutidas em 2020?

Eu sou um deputado liberal na economia e conservador nos costumes. Mas, pelo que tenho notado, hoje não há ambiente político favorável para as pautas mais fortes na área de costumes. Então, na minha visão, para 2019 nossas prioridades serão a pauta econômica, Reformas da Previdência e a Tributária. Aprovando a pauta econômica, e o governo conseguindo andar em frente, eu acredito que ano que vem podemos pensar em algumas teses comportamentais, provocando discussões importantes em temas mais conservadores, de tradição, da família, entre outros.