O número de mortos subiu para 23 cinco semanas após o início da convulsão social no Chile, onde incêndios, saques e manifestações não cessam em várias cidades, e nenhuma medida, nem um acordo político, conseguiu aplacar a violência.
A vítima mais recente é um menor de 13 anos, que foi atropelado por uma caminhonete durante as manifestações na cidade de Arica (2.800 km ao norte de Santiago). Um adulto que o acompanhava ficou ferido e o motorista do veículo foi detido, informou nesta sexta-feira (22) a vice-secretaria do Interior.
Desde 18 de outubro, quando protestos pelo aumento da passagem do metrô resultaram em demandas mais amplas e na pior crise social em três décadas de democracia, já morreram 23 pessoas, enquanto mais de duas mil ficaram feridas. O boletim inclui mais de 200 pessoas que sofreram lesões oculares graves, atingidas por cartuchos com esferas de borracha, disparados pela Polícia.
Milhares de pessoas voltaram a se reunir ao longo do dia na Praça Itália – epicentro das manifestações em Santiago – na quinta “maior marcha do Chile”, que conseguiu convocações maciças todas as sextas-feiras desde que teve início a onda de protestos.
“Não podemos baixar os braços. Precisamos continuar nos manifestando porque não conseguimos nada, porque a repressão continua e, além disso, (o governo) continua assinando acordos falsos como o acordo pela paz”, disse à AFP Claudia Ortolani, uma jovem manifestante.
Nos arredores, encapuzados enfrentaram a Polícia, que dispersou a multidão com bombas de gás lacrimogênio e jatos d’água, constatou a AFP.
Enquanto isso, cerca de 100 pessoas protestavam em frente ao shopping Costanera Center, o maior da América do Sul, no sofisticado bairro de Providencia, enquanto 20 agentes da tropa de choque resguardavam a entrada do edifício.
A Polícia se comprometeu a não usar cartuchos, mas na quinta-feira um cinegrafista ficou ferido e esta instituição reconheceu que “existe uma alta probabilidade” de que tenha sido com uma escopeta usada pela tropa de choque.
– A violência não cessa –
Nos últimos dias, as manifestações de rua não foram maciças, mas focos de violência se intensificaram em Santiago e em bairros periféricos, cujos moradores voltaram a viver uma noite de horror na quinta-feira.
A violência tinha diminuído após o acordo que o Congresso alcançou há uma semana para elaborar uma nova Constituição, mas seu recrudescimento levou o governo a voltar a pedir calma.
O ministro do Interior, Gonzalo Blumel, fez um apelo “profundo e sincero a todas as forças políticas em busca de paz”.
Em Quilicura, ao norte de Santiago, um centro comercial foi incendiado e saqueado por uma multidão, enquanto em Puente Alto, outro setor periférico de classe operária, foram atacados um posto de gasolina, comércios locais e um quartel da Polícia.
Na cidade de Antofagasta (norte), um motorista feriu cinco pessoas ao avançar sobre uma concentração, e um supermercado foi saqueado.
No porto de Valparaíso e na cidade de Viña del Mar (centro) também foram registrados saques, barricadas e incêndios, assim como em Concepción (sul).
O ministro Blumel anunciou que vai antecipar a formatura de 2.500 aspirantes a policiais para se somarem ao efetivo.
– Desordem pública –
Controlar a ordem pública e avançar nas reforças sociais que respondam às demandas das ruas é o principal desafio do presidente Sebastián Piñera.
Nos primeiros nove dias após a convulsão social, o presidente pôs os militares nas ruas e decretou toque de recolher. Mas agora a Polícia, fortemente contestada, é a única que está encarregada do controle.
Tentei “compatibilizar a ordem pública com os direitos humanos e compatibilizar as demandas sociais com manter sadia nossa economia. Não tem sido fácil”, admitiu Piñera na quinta-feira.
Segundo o governo, atrás dos ataques mais violentos – sobretudo em bairros periféricos – estão “torcidas organizadas do futebol relacionadas com o narcotráfico e a delinquência”, disse à rádio Cooperativa a porta-voz oficial Karla Rubilar.
A Anistia Internacional denunciou uma política deliberada para castigar manifestantes, mas o governo rejeitou “categoricamente” o informe.
As Forças Armadas também o rejeitaram em uma polêmica declaração conjunta que, segundo políticos de oposição, ultrapassou o princípio de não deliberação.
“As Forças Armadas têm pleno direito a se defender. Não há nenhum ato de deliberação”, declarou o ministro da Defesa, Alberto Espina.
Uma equipe enviada pela alta comissária para os Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, concluiu sua investigação sobre as denúncias de violações e entregará um relatório em três semanas com base a reuniões com autoridades, representantes de organizações humanitárias e testemunhos de 230 feridos em protestos (entre civis e militares), “muitos deles perturbadores”, indico um comunicado do organismo.