HAMILTON MOURÃO O vice-presidente diz que vai prosseguir
com a operação: dinheiro é imprescindível (Crédito:Divulgação)

Prometer e não cumprir. Dizer e não fazer. Esse distanciamento entre a vontade e a não realização, aliás tão característico da política nacional, explicita o significado da corriqueira e brasileiríssima expressão “para inglês ver”. Serve também para resumir perfeitamente a inoperante atuação de Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente. Unamos, agora, a frase ao ministro: “para inglês ver” é herança do Brasil colonial, vem lá de 1831. Nessa época, os ingleses promulgaram uma lei que proibia o tráfico de negros escravizados. Dom Pedro II não queria aceitá-la, mas acabou fingindo que acataria tal decisão britânica — só na teoria. No dia seguinte, já estávamos burlando essa legislação, ou seja: a anuência do imperador foi somente “para inglês ver”. Essa é a melhor analogia para a atuação de Salles. Há, porém, uma diferença: agir assim no globalizado século XXI é dar um tiro no próprio pé — o mundo já percebeu que o ministro defende tudo menos o meio ambiente. A desculpa? Tanto ele como o seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, alegam que não há dinheiro para cuidar da Amazônia. Estranha é, porém, a matemática por eles praticada: faltam recursos financeiros para o verde, mas sobram para aumentar os benefícios nos soldos dos militares. Mais: nem um por cento do montante do orçamento destinado à preservação ambiental foi utilizado. Como se vê, o que anda curto não é a verba mas, sim, o empenho nessa questão.

Dos R$ 60 milhões que deveriam ter sido utilizados na chamada Operação Verde, chefiada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, somente R$ 2,3 milhões foram gastos até o começo de julho. O argumento, já antes não válido (o da falta de dinheiro), fica ainda mais duvidoso, uma vez que o próprio Bolsonaro assinou reajustes para militares — do praça ao general quatro estrelas. O chamado “adicional de habilitação” tirará dos cofres públicos R$ 1,3 bilhão até dezembro. Em cinco anos, esse valor será de R$ 26 bilhões. Em outro projeto ambiental, o governo acena com R$ 500 milhões, mas já há setores que o consideram não exequível, queixando-se igualmente da falta de dinheiro. Trocado em miúdo, o dinheiro existe para beneficiar o bolso de fardados, mas não existe para deixar a floresta em pé. Reforçando tal situação, o governo ainda travou o repasse de R$ 33 milhões para a proteção da Amazônia — dinheiro esse financiado pela Noruega e Alemanha, mas engavetado no BNDES. O desmatamento na região bateu recorde no mês de maio. Oitocentos e vinte e nove quilômetros quadrados de mata foram jogados abaixo, colocando em risco não só o verde como também os povos da floresta. Bolsonaro ainda barrou aos indígenas necessidades vitais a qualquer ser humano: entre elas, o acesso à água potável e à distribuição gratuita de materiais de higiene. Para o governo, o meio ambiente e os moradores das florestas não entram na planilha orçamentária destinada justamente a ambos.

“Nós vamos prosseguir com a Operação Verde. O nosso objetivo é levar as queimadas no segundo semestre ao mínimo aceitável para mostrar ao mundo o compromisso com a preservação da Amazônia”, diz o general Mourão. Ele se esquece, porém, de que não há como combater garimpos, queimadas e invasões de aldeias sem investimento público. Não há como manter a floresta de pé sem aparato para tanto. Sendo assim, obviamente, a fiscalização na região amazônica tornou-se inexistente. O Ministério Público até já entrou na Justiça pedindo que Salles seja afastado do ministério por improbabilidade administrativa. O argumento central do MP é que a fiscalização do meio ambiente está paralisada por carência de verbas, enquanto tais verbas, na verdade, sequer foram utilizadas. E, se não há dinheiro para isso, como surge o dinheiro para aumentar soldos? Tudo isso comprova a tese inicial daquilo que é feito “para inglês ver”. Detalhe: o que antes era só para inglês, agora é o mundo inteiro que enxerga.