Mestre da metamorfose, com uma carreira internacional sem igual, o espanhol Javier Bardem acaba de completar 50 anos de idade com duas grandes produções em andamento, mas não esconde sua decepção por não receber propostas para filmar em seu país natal.
O vencedor do Oscar de ator coadjuvante por “Onde os Fracos Não Têm Vez” (2007) conversou com a AFP durante o Festival de Cinema Espanhol de Nantes (oeste da França), onde é homenageado com a exibição de uma dezena de filmes nos quais participou, entre eles “Mar adentro” (2004), “Biutiful” (2010) e “007 – Operação Skyfall” (2012).
PERGUNTA: Além da refilmagem de “Duna”, de Denis Villeneuve, você está rodando outro filme de Sally Potter (diretora de Ginger “& Rosa”, de 2012), com Elle Fanning e Salma Hayek, o que você pode falar sobre esta produção?
RESPOSTA: É um desafio porque é uma história complexa e espero que tenha um fundo humano extraordinário. Mas falar sobre filmes que estão em processo de montagem é difícil, o que posso imaginar, não sei se vai responder o que será porque me falta a visão da diretora. Quando eu souber sobre sua proposta, saberei qual tipo de filme é.
P: Pensa em dirigir?
R: Entendo porque há atores que dirigem: atuar é uma prova de confiança e de uma tremenda generosidade, se oferece o trabalho para que em seguida alguém o colha e o manipule. E nem sempre para melhor. Entendo que o ator diga ‘agora eu quero dirigir e manipular meu trabalho’. Mas dirigir é muito mais que isso, é um trabalho extraordinariamente difícil, eu não me vejo capaz de fazer isso e também não tenho essa necessidade.
P: Como conjuga trabalhar em produções tão diferentes como Hollywood e o cinema espanhol?
R: Vou me adaptando. Trabalho menos na Espanha do que gostaria. Não recebo projetos, por eu viver fora ou por acharem que recebo salários estratosféricos. Coisas que não são reais. Se estou na Espanha, se há dinheiro, tentarei que me paguem e se não, vamos buscar outra saída.
P: O Festival de Cannes não seleciona filmes da Netflix, enquanto em Veneza “Roma” ganhou o Leão de Ouro. Onde você se situa nesse debate?
R: As plataformas como a Amazon e Netflix estão produzindo um cinema que os estúdios se negam a produzir. “Roma” é o caso mais emblemático, ou a última produção de Scorsese. Custa muito dinheiro mas tem um nível artístico e criativo muito importante. Os estúdios não divulgam seus números, já as plataformas sim.
P: Teria algum problema rodar um filme da Netflix que não fosse exibido nas salas?
R: Cresci indo às salas de cinema, há um aspecto muito romântico no fato de estar sentado diante uma grande tela. É algo muito bonito, mas está desaparecendo: a realidade é que se você andar pela Gran Vía de Madri (principal rua da capital espanhola) não vai encontrar mais cinemas.
P: Já passaram cerca de 30 anos desde “Jamón, jamón” (1992), que retratava o clichê do “macho ibérico”. Houve uma evolução nessa figura na sociedade?
R: “Jamón, jamón” o “Ovos de Ouro” (1993) eram produções que riam dessa questão. Bigas Luna (diretor dos dois filmes) tinha um grande senso de humor. Creio que não mudou tanto: o macho por excelência segue vigente e “o faço isso porque tenho culhões” e “você não sabe com quem está falando”. Infelizmente, a violência de gênero está alcançando níveis muito alarmantes. Há representantes políticos do nosso país que são o exemplo do que deveria ser um país e que funcionam dessa maneira. Isso mostra muito sobre a nossa sociedade.
P: Como militante de esquerda, como vê a possibilidade da extrema-direita entrar no Parlamento espanhol nas eleições de 28 de abril?
R: Temos que votar, cada um deve votar baseado na sua consciência. Eu creio que o panorama atual é preocupante, mas não vão conseguir me aterrorizar. A extrema-direita enfim mostrou a cara, mas sabíamos desde sempre que estava aqui, nesses partidos que se escondem sob pele de cordeiro. Não deveríamos dar espaço para esses partidos, seria retroceder.