O trabalho do Projeto Portinari com a obra do pintor paulista completa 40 anos em 2019. Há alguns dias, o Projeto, fundado pelo filho de Portinari, João Candido, anunciou uma parceria com a plataforma Google Arts & Culture que coloca à disposição do público cerca de 5 mil obras e 15 mil documentos do artista. As obras já estavam no catálogo raisonée de Portinari, cuja versão impressa foi lançada em 2004, e no site do Projeto (portinari.org.br), mas agora ganham novos tratamentos (como 20 “exposições virtuais” com curadoria da entidade) e ferramentas do Google: a “ArtCamera”, câmera que consegue registrar em gigapixel (mais de um bilhão de pixels) e o Street View – filmagem que mostra em 360º a casa museu do artista em Brodowski, interior de São Paulo.

Outra novidade envolvendo o pintor é uma rara exposição dos seus famosos painéis Guerra e Paz, em fase final de negociação, prevista para o final de 2020, no Palácio Real de Milão.

Sobre o site. Segundo João Candido, 95% das obras do pai estão em coleções particulares e uma das missões do seu Projeto – criado na área científica da PUC-Rio – era ampliar o acesso. “Quando se pensa na obra dele, não se vê apenas linhas, cores e formas, não é apenas estético, há ali uma mensagem poderosa, e cada vez mais, no mundo convulsionado pela violência global”, diz. “Então nossa missão era entregar uma carta, que ele escreve não só para o Brasil, mas para a humanidade”, completa.

Foram duas décadas de pesquisa, catalogação, registros e negociação, até o lançamento do portal, que permanece no ar, mas agora ganha um “primo” com a nova parceria. “Uma das coisas que fez o Google entrar em contato foi a nossa base de dados”, conta João Candido. “Disseram que ela está estruturada de uma forma que nunca viram em nenhum outro lugar”, orgulha-se.

Embora João Candido informe que todos os dados foram compartilhados com o Google, alguns cruzamentos de informações disponíveis no portal do Projeto Portinari não aparecem na nova plataforma, como documentos do pintor relacionados diretamente a determinadas obras.

Professores e críticos ouvidos pelo Estado aprovaram, de maneira geral, a iniciativa, mas sublinharam a necessidade de ela ocorrer também com outros pintores brasileiros. O professor e crítico Agnaldo Farias (FAU-USP) comemora o fácil acesso às obras de Portinari. “Eu dou aulas, preciso de imagens. Consigo dar aulas sobre qualquer artista estrangeiro, e muitas vezes não consigo com artistas brasileiros. É uma medida necessária, importante, nos auxilia imensamente e dá visibilidade à obra do artista”, afirma.

Denise Mattar, curadora experiente e ex-diretora do MAM-SP e do MAM-RJ, concorda que nada substitui ver as obras pessoalmente, mas em termos de pesquisa, quanto mais e melhores informações, melhor. “Se o mentor é o Projeto Portinari, existe uma confiabilidade de conteúdo”, afirma. “O maior problema da internet é que as pessoas podem botar qualquer informação, e pode ser equivocada. Quando é confiável, está embasada por uma pesquisa de anos, todo mundo só tem a ganhar.”

O crítico de arte e professor Rodrigo Naves, porém, afirma não ter gostado de sua primeira experiência com a nova plataforma. “Eu achei, na verdade, um site muito pouco amistoso, com umas ferramentas barrocas, de ‘aumenta aqui, puxa para lá’, é muito pouco didático”. Ele se incomodou também com o título do novo espaço virtual: Portinari: Pintor do Povo.

“É populista. Quem disse que ele é o pintor do povo? Por que ele, e não o Volpi? O Projeto Portinari parece exemplar no sentido de ser correto, não cobrar direitos, ter feito um catálogo bem feito, mas esse título é pura ideologia. Só porque ele pintou retirantes e foi comunista? O que Maria ganha com isso? É puro preconceito, mantém uma concepção estreita dele. Não gosto muito da obra, acho de segunda linha, mas seja como for, seus méritos não dizem respeito a ter pintado pobres. Ele fez muito retratos de madame também.”

O também crítico e professor de história da arte, Tiago Mesquita, destaca o site sobre o pintor Elizeu Visconti, ítalo-brasileiro que fez carreira no início do século 20, como um modelo a ser seguido por outras iniciativas do tipo no Brasil. “Se o site ajudar a entender contextos, relações, mostrar desenhos preparatórios, estudos, as iniciativas assim podem ser maravilhosas”, comenta.

A iniciativa do Projeto Portinari e do Google Arts & Culture tem ainda outros cinco parceiros: Pinacoteca de São Paulo, Museu Nacional de Belas Artes, Fundação Ema Klabin, MASP e Museus Castro Maya.