Com apenas 7 meses de idade, Laura precisou passar por uma cirurgia cardíaca para corrigir uma má formação congênita, associada à Síndrome de Down. A mãe dela, Maria Izonete Pinheiro, conta que a alteração genética da filha foi uma surpresa revelada apenas após o nascimento.
“Eu fiz todos os exames de pré-natal, mas a trissomia [anomalia do crossomo 21 que causa a síndrome] não foi detectada durante a gravidez. Foi muito assustador saber que ela teria que fazer uma cirurgia cardíaca, mas felizmente a gente conseguiu fazer com rapidez, e eu agradeço muito à toda a equipe do hospital”.
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A bebê foi uma das primeiras pacientes do projeto Congênitos, que reforça a linha de cuidado da cardiopatia congênita em crianças atendidas pelo Sistema Único de Saúde em três hospitais de Fortaleza (CE), Recife (PE) e Manaus (AM). Laura é paciente do Hospital Infantil Albert Sabin, na capital cearense, que recebe cerca de 80 pacientes com cardiopatia congênita por semana, vindos de várias cidades e até de estados vizinhos.
Com a inclusão no projeto Congênitos, profissionais do Hospital do Coração de São Paulo (Hcor), serviço particular de referência no Brasil, têm acompanhado remotamente o trabalho no Albert Sabin e também no Hospital Francisca Mendes em Manaus e no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, em Recife.
Além de debater semanalmente os casos e as melhores formas de intervenção, a cada mês, um paciente é operado sob acompanhamento a distância, em tempo real, dos profissionais do hospital paulista. O sistema de Teleorientação do Ato Cirúrgico utilizado pelo projeto foi criado pelo Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (USP). A pequena Laura foi operada sob essa supervisão em agosto.
“Eles monitoram o paciente à distância, desde a visualização por uma câmera, que fica na cabeça do cirurgião e que mostra o que está sendo realizado dentro do campo cirúrgico, até o monitoramento da pressão, batimentos, oxigenação, anestesia, todos os detalhes que fazem parte da cirurgia. Então, eles têm toda uma equipe de experts que veem como nós estamos conduzindo, contribuem com sugestões e discutem melhores práticas”, complementa a cardiologista pediatra do Hospital Infantil Albert Sabin, Geni Medeiros.
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Ampliação dos serviços de referência
O termo “cardiopatia congênita” engloba diversas formas de má-formação no coração ocorridas durante o desenvolvimento fetal. O Ministério da Saúde estima que quase 30 mil crianças nascem com a condição no Brasil anualmente. Aproximadamente 80% delas vão precisar de cirurgia em algum momento, o que gera uma demanda de mais de 11 mil operações por ano. Metade dessas crianças precisa do procedimento no primeiro ano de vida.
Mas nem todos os hospitais do país têm condições de realizar essas cirurgias. E alguns, como o próprio Albert Sabin, precisam encaminhar casos mais complexos para outras unidades, o que gera sobrecarga para esses hospitais e pode atrasar o procedimento, aumentando o risco de complicações futuras.
“Nós já temos cirurgia cardíaca no hospital há cerca de 20 anos, mas esse setor ainda tem muito espaço para crescer, tanto em volume quanto em complexidade. O serviço de referência que nós temos aqui em Fortaleza, que é o Hospital do Coração de Messejana, já não dá conta”, diz Geni Medeiros, que explica que o Albert Sabin foi considerado uma alternativa para aumentar a oferta desse serviço e, por isso, recebeu o projeto Congenitos.
De acordo com a líder médica do Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hcor, Ieda Jatene, o objetivo é aperfeiçoar os protocolos de atendimento gerais e trocar experiências sobre casos específicos:
“Eles já fazem cirurgias de baixa e média complexidade, e também alguns casos de alta complexidade, mas a ideia é amadurecer, do ponto de vista técnico, para que eles também consigam tratar crianças que ainda precisam ser transferidas para outros serviços que tenham mais expertise em cardiopatia de alta complexidade”
A cardiologista reforça que isso é benéfico tanto para os pacientes, quanto para o sistema SUS: “Se você fizer a cirurgia no momento certo, com a técnica certa, com os recursos adequados, essa criança vai ter uma sobrevida ótima e vai ser um adolescente, um adulto com uma vida praticamente normal. Mas quando a gente não opera no momento ideal, enquanto esperam a cirurgia, essas crianças ficam com a pressão no pulmão mais elevada, com quadros repetidos de infecção, e acabam passando por várias internações. E, quando finalmente são operadas, têm pós-operatório mais longo, com mais complicações”
O projeto está sendo desenvolvido dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS). As três unidades foram escolhidas pelo Ministério da Saúde, considerando sua relevância para as regiões Norte e Nordeste, e que essas regiões são as mais dessasistidas por serviços cardíacos infantis. Os hospitais serão acompanhados até o ano que vem, e 60 cirurgias teleorientadas devem ser relizadas neste período.