Um projeto de reforma no Parlamento do Iraque sobre questões legais que afetam a família traz temores de um retrocesso nos direitos das mulheres e aumento dos casamentos infantis.

O projeto permitirá aos iraquianos escolher entre autoridades religiosas e o Estado para resolver casos familiares em questões de herança, divórcio ou guarda dos filhos.

Seus opositores, que convocaram uma manifestação em Bagdá, temem que a lei permita abolir a idade mínima de matrimônio para as muçulmanas, estabelecida em 18 anos pela lei de 1959 sobre o estado civil. Os defensores da reforma negam isso.

Segundo a Unicef, 28% das mulheres iraquianas se casam antes dos 18 anos.

“Esta emenda deixa uma ampla margem para a dominação masculina em assuntos familiares” em uma sociedade conservadora, disse Amal Kabashi, da Rede de Mulheres do Iraque.

A lei de 1959, adotada pouco depois da queda da monarquia iraquiana, transferiu das autoridades religiosas para o Estado e seu sistema judicial a competência sobre os assuntos familiares.

Para Razaw Salihy, pesquisadora do Iraque na Anistia Internacional, o projeto deveria ser “detido de imediato”.

Em virtude disso, os “muçulmanos maiores de idade” que desejam se casar poderiam optar por seguir as regras da sharia xiita ou sunita em questões de direito da família. A emenda não menciona os fiéis de outras religiões.

Para o especialista constitucional Zaid Al Ali, a lei de 1959 combina “as normas mais progressistas de cada culto, o que constitui em uma enorme fonte de irritação para as autoridades islâmicas.

-Um passo atrás do Estado laico –

A modificação da lei daria aos homens “mais poder sobre as mulheres e mais oportunidades de conservar a sua riqueza, controlar os filhos etc”, aponta Ali.

Uma reforma deste tipo “mostraria que o país retrocede ao invés de avançar, e prejudicaria o princípio de igualdade perante a lei iraquiana”, adverte Sarah Sanbar, pesquisadora da Human Rights Watch.

A emenda “poderia legalizar o matrimônio de meninas de 9 anos de idade, comprometendo o futuro e bem-estar de um número incalculável de crianças”, acrescenta ela.

Segundo a HRW, responsáveis religiosos celebram a cada ano milhares de casamentos não registrados, incluindo de menores de idade, uma violação da lei vigente.

Muitos afirmam que, historicamente, o islamismo permitia o casamento de meninas pobres a partir dos nove nos, já que o profeta Maomé teria se casado com uma chamada Aisha.

No entanto, defensores de direitos humanos afirmam que os casamentos infantis violam os direitos das crianças, expondo-as à violência.

O deputado Raed al Maliki, que apresentou a emenda e apoiou com sucesso um projeto de lei anti-LGTBQIAPN+ no Parlamento este ano, nega que as revisões planejadas permitam o casamento de menores.

Em uma entrevista televisiva, ele atribuiu as objeções ao projeto de alteração a “medidas mal intencionadas que procuram privar uma parte significativa da população iraquiana do direito de ter seu estado civil determinado por suas crenças”.

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