INDIGNAÇÃO Proposta de adiar eleições causou protestos generalizados e não teve apoio nem entre os republicanos (Crédito:Brian Snyder)

A menos de 90 dias do pleito, as eleições americanas tornaram-se dramáticas para Donald Trump. Até o início do ano, a economia crescia e os oponentes estavam divididos. Agora, a situação é oposta. Os democratas uniram-se em torno de Joe Biden, que lidera com vantagem média de 10 pontos percentuais, e o país pode encerrar o ano com a maior recessão da história. Com a maré virando, a autoconfiança histriônica do presidente deu lugar às críticas irritadas contra os adversários, até desancar nos últimos dias para o questionamento do próprio processo eleitoral. O presidente sugeriu adiar a eleição de 3 de novembro, insinuando que os votos pelo correio levariam ao pleito “mais impreciso e fraudulento da história”. A crítica faz sentido apenas para o presidente. A votação pelo correio, que representou 40% das cédulas em 2016 e pode superar 50% este ano, não preocupa os especialistas, que apontam baixa possibilidade de fraude. Mas é um problema para Trump, pois essa votação é antecipada e se iniciará em setembro, em momento de baixa nas pesquisas. O balão de ensaio não funcionou. A proposta não sensibilizou ninguém e foi refutada pelos próprios republicanos. O calendário eleitoral, estabelecido há 175 anos, nunca foi alterado na história americana.

Biden está liderando não por causa de seus méritos. É Trump que está perdendo por seus erros, insistindo que a doença é uma armação internacional contra ele. Seu cálculo político foi falho desde o início da pandemia. Primeiro, ele desprezou o potencial da doença. Com o agravamento, defendeu o uso da cloroquina e atacou o isolamento social. Por fim, rompeu com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e passou a atacar a China, o que inclui até a ameaça do bloqueio do aplicativo TikTak. Sua pressão para relaxar a quarentena só piorou a situação. Depois de um relativo arrefecimento em junho, a propagação disparou. Pelo menos 40 dos 50 Estados americanos já registram nova alta dos casos. Califórnia, Flórida e Texas são os mais afetados. O país já registra mais de 153 mil óbitos, 25 mil a mais do que há 30 dias. Em julho, o número de infectados saltou de 2,6 milhões para 4,5 milhões.

Acuado, o presidente procura deslegitimar o pleito para se precaver contra uma derrota que parece cada vez mais provável

Trump, que apenas no dia 11 de julho começou a usar máscaras em público, também foi questionado pela sua falta de habilidade na resposta ao movimento Black Lives Matter. Ameaçou mandar tropas federais contra as multidões que protestavam contra o racismo e a brutalidade policial. Biden, que tem ligações históricas com os negros americanos, surfou na onda e se fortaleceu. Com a deterioração do ambiente político, Trump cancelou a convenção nacional do Partido Republicano que estava marcada para 27 de agosto, na Flórida. Os últimos reveses azedaram o clima no entorno do presidente. Ele demitiu o gerente de sua campanha e tem criticado seus principais conselheiros no combate à pandemia. O epidemiologista Anthony Fauci foi tachado de “alarmista”. Na última semana, atacou Deborah Birx, coordenadora da resposta à Covid-19, porque ela declarou que a doença estava “extraordinariamente espalhada”. “Patético”, afirmou.

Trump ainda tem um grande capital político, mas, a menos que apareça uma notícia extraordinária contra a pandemia nas próximas semanas, diminuem as chances de uma reversão nas pesquisas. A tentativa de melar a eleição é mais uma forma de desculpa do que uma ameaça concreta à democracia. O presidente, que sempre demonstrou pouco respeito aos ritos democráticos, procura deslegitimar as eleições para o caso de uma derrota cada vez mais provável.