Proibido pelo STF de ir a embaixadas, Bolsonaro já se abrigou na Hungria

Proibido pelo STF de ir a embaixadas, Bolsonaro já se abrigou na Hungria

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que determinou a Jair Bolsonaro (PL) o uso de tornozeleira eletrônica sob monitoramento 24 horas por dia e a proibição de sair de casa entre 19h e 7h resultou do receio de que o ex-presidente possa tentar fugir do país e pedir asilo a um governo estrangeiro, como os Estados Unidos, entre outros motivos elencados na ordem.

Emitida pelo ministro Alexandre de Moraes a pedido da Polícia Federal, com parecer favorável da PGR (Procuradoria-Geral da República), a decisão também proibiu Bolsonaro de se comunicar com embaixadores e diplomatas estrangeiros e de ir a embaixadas.

O aliado estrangeiro mais vocal na defesa de Bolsonaro no momento é o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ele divulgou uma carta na quinta-feira na qual reiterou seu apoio ao ex-presidente diante do que chamou de “terrível tratamento” que, em sua opinião, ele está recebendo da Justiça brasileira, e ressaltou o desejo de que a ação penal contra Bolsonaro pela acusação de tramar um golpe de Estado acabe “imediatamente”.

A mensagem foi a mais recente de uma série de manifestações de apoio de Trump a Bolsonaro. Na semana passada, o americano afirmou que a imposição de tarifas de importação de 50% contra o Brasil tinha, como um dos objetivos, pressionar o país a interromper o julgamento do ex-presidente no STF – o que sugere que o brasileiro tinha boas chances de ter um pedido de asilo político acolhido pelos EUA caso tentasse se abrigar na embaixada americana.

Não seria a primeira vez que Bolsonaro teria buscado ajuda estrangeira. Em fevereiro de 2024, quatro dias após ter tido seu passaporte confiscado pela PF, Bolsonaro passou dois dias na embaixada da Hungria em Brasília, numa aparente tentativa de obter refúgio e contornar uma possível ordem de prisão.

O caso foi revelado pelo jornal americano The New York Times, que obteve vídeos de Bolsonaro entrando e saindo da representação diplomática húngara. Bolsonaro entrou na embaixada em Brasília com dois seguranças em 12 de fevereiro e só deixou o local dois dias depois, em 14 de fevereiro.

A apreensão de seu passaporte em fevereiro de 2024 ocorreu no âmbito da investigação sobre tentativa de golpe de Estado para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022, por suspeita de que ele poderia tentar fugir. O STF está agora na reta final do julgamento do caso, e poderia condenar Bolsonaro até o final do ano.

Quatro tentativas de reaver passaporte

Bolsonaro já tentou reaver seu passaporte ao menos quatro vezes, sempre sem sucesso. Um mês após o documento ser apreendido, o ex-presidente pediu ao STF sua devolução para que ele pudesse viajar aos Estados Unidos para participar de um evento que contaria com a presença de Trump, a Conferência Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês).

Os advogados de Bolsonaro argumentaram que a apreensão do documento não preenchia requisitos legais por não ter sido demonstrado risco real de fuga, e que Bolsonaro desde o início “tem cooperado de maneira irrestrita com as autoridades, comparecendo pontualmente a todos os chamados e colaborando ativamente para o esclarecimento dos fatos”.

Moraes rejeitou o pedido, afirmando que as investigações ainda estavam em andamento e que devolver o passaporte seria “absolutamente prematuro”.

Em março de 2024, Bolsonaro tentou de novo reaver o documento para viajar a Israel de 12 a 18 de maio, a convite do premiê israelense Benjamin Netanyahu. Novamente, o pedido foi negado por Moraes, após a PGR alegar que isso poderia representar um “perigo para o desenvolvimento das investigações criminais”.

Em janeiro de 2025, Bolsonaro pediu o passaporte para viajar ao Estados Unidos para participar da posse de Trump. O pedido foi negado – Moraes afirmou que comportamentos do ex-presidente indicavam a possibilidade de tentativa de fuga para evitar uma eventual punição. Em uma entrevista ao portal UOL, Bolsonaro admitiu que poderia pedir refúgio a alguma embaixada caso fosse condenado.

Em julho, Bolsonaro voltou a pedir a liberação do seu passaporte para que fosse aos Estados Unidos “negociar” com Trump a redução das taxas de importação de 50% ao Brasil. “Me deem o passaporte, que eu converso”, afirmou.

O parceiro Orbán

A estadia de Bolsonaro na embaixada da Hungria em fevereiro de 2024 sugeriu que o ex-presidente estava tentando usar seus laços com o ultradireitista primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, para escapar da Justiça brasileira e pedir asilo político caso a sua prisão fosse decretada, segundo o NYT.

Legalmente, permanecendo na embaixada, Bolsonaro estaria fora do alcance da polícia brasileira, já que a área é protegida por convenções diplomáticas e é considerada território da Hungria. No local, Bolsonaro foi recebido pelo embaixador húngaro, Miklos Tamás Halmai.

Ideologicamente próximos, Bolsonaro e Orbán estão em estreito contato há anos. O húngaro inclusive esteve na posse do brasileiro em 2019, e Bolsonaro já chamou Orbán de “irmão” durante uma visita à Hungria em 2022. Em dezembro, os dois voltaram a se reunir em Buenos Aires, durante a posse do novo presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei.

Após a publicação da reportagem, Bolsonaro confirmou a estadia. “Não vou negar que estive na embaixada. Não vou falar onde mais estive. Mantenho um círculo de amizade com alguns chefes de Estado pelo mundo. Estão preocupados. Eu converso com eles assuntos do interesse do nosso país. E ponto final. O resto é especulação”, disse.

Hungria tem histórico de apoiar aliados em fuga

A Hungria já foi antes acusada de ajudar na fuga de um ex-premiê ultranacionalista da Macedônia do Norte, uma pequena nação dos Bálcãs com pouco menos de 2 milhões de habitantes.

Em 2018, Nikola Gruevski fugiu de seu país quando estava prestes a começar a cumprir pena por corrupção. Com a ajuda de diplomatas, ele acabou conseguido asilo na Hungria do aliado Orbán.

Líder do governo entre 2006 e 2016, Gruevski havia sido condenado em maio de 2018 por corrupção num caso envolvendo a compra de um carro de luxo pelo governo, mas que acabou servindo para seu uso pessoal.

Após perder todos os recursos para ficar longe da cadeia, Gruevski não se apresentou à Justiça na data prevista para o início do cumprimento da pena.

Em vez disso, reapareceu em público três dias depois em Budapeste, na Hungria, distante 800 quilômetros de Skopje, a capital da Macedônia do Norte. Uma semana depois, o governo Orbán concedeu asilo político para Gruevski.

Detalhes da fuga de Gruevski depois apontaram para a participação direta de diplomatas húngaros. Ele inicialmente fugiu para a vizinha Albânia. Depois, no mesmo dia, segundo as autoridades policiais albanesas, seguiu para Montenegro num carro registrado em nome da embaixada da Hungria em Tirana, a capital da Albânia.

As autoridades policiais de Montenegro, por sua vez, confirmaram que Gruevski entrou e saiu do país acompanhado de pessoas com passaportes diplomáticos da Hungria, incluindo um embaixador. Depois, com a escolta de diplomatas húngaros, se dirigiu até Budapeste, passando ainda pela Sérvia. Ele chegou à capital da Hungria no dia seguinte.

O governo húngaro se limitou a afirmar que Gruevski procurou uma representação diplomática da Hungria em um país estrangeiro para pedir asilo e negou que o governo de Orbán tanha ajudado na etapa inicial da fuga – da Macedônia para Albânia.