Em um setor onde luzes, música e emoção comandam o espetáculo, uma revolução silenciosa acontece longe dos holofotes — mas com impacto direto sobre eles. A presença crescente de profissionais LGBTQIAPN+ nos bastidores de grandes eventos no Brasil tem ajudado a transformar o entretenimento em um espaço cada vez mais diverso, criativo e representativo. Mais do que uma pauta de visibilidade, trata-se de uma nova estética de produção: uma que valoriza identidade, liberdade e excelência profissional como parte essencial da experiência cultural.
Durante o Mês da Diversidade, a IstoÉ Gente conversou com a equipe da NS Operações, uma das referências do País em suporte técnico e produção de eventos, para entender como essa mudança está moldando os bastidores dos maiores espetáculos do país — do palco à plateia, do camarim aos corredores. Os relatos mostram que a diversidade não apenas compõe, mas qualifica os grandes momentos do entretenimento brasileiro.
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Um setor em movimento
A indústria de eventos no Brasil pulsa com força: são mais de R$ 300 bilhões movimentados por ano, segundo a Abrape (Associação Brasileira dos Promotores de Eventos). E com números tão robustos, cresce também a responsabilidade de refletir, nos bastidores, a diversidade de quem assiste aos shows, festivais, feiras e desfiles.
Globalmente, essa sensibilidade está em alta. O Event Industry Diversity & Inclusion Report 2023, da EventMB, aponta que mais de 70% dos profissionais de eventos no mundo consideram a diversidade essencial para o sucesso de um projeto. E faz sentido: equipes diversas trazem ideias novas, olhares criativos e soluções inovadoras para os desafios do setor.
No Brasil, o relatório Equidade BR 2024, da Human Rights Campaign, mostrou um crescimento de 39% no número de empresas classificadas como excelentes para profissionais LGBTQIAPN+, indicando que o setor está, sim, avançando. Mas ainda há obstáculos: segundo o Censo de Inclusão Produtiva LGBTQIAPN+, realizado pelo Pacto Global da ONU, a evasão de talentos LGBTQIAPN+ continua alta, especialmente em áreas como produção e atendimento. A conclusão é clara: é preciso mais que discurso — é preciso ação.
Quando a diversidade deixa de ser discurso e vira prática
No universo dos eventos, onde tudo se move em ritmo acelerado, o clima nos bastidores é essencial. A técnica Nathalia Silva Reimberg, da NS Operações, sente na pele as mudanças: “As pessoas estão aceitando de forma mais leve”, conta. Esse ambiente de respeito tem se fortalecido inclusive em eventos com perfis mais conservadores, como relata Letícia Rodrigues Novaes: “Tem sido mais diverso, aberto e respeitoso”.
Esse clima, no entanto, é fruto de um trabalho diário. “Quando passamos por alguma forma de preconceito e descobrimos que não estamos sozinhos, temos o acolhimento da equipe”, afirma Nathalia. Ter uma rede de apoio dentro da equipe é como ter um camarim seguro em qualquer tipo de show: essencial para o espetáculo acontecer.
Preconceito ainda existe
Mesmo com os avanços, o preconceito ainda aparece — às vezes nos bastidores de forma silenciosa, outras, de maneira escancarada. Angélica Alves de Oliveira, também da NS Operações, relembra um episódio delicado em um evento: “O cliente insultava minha sexualidade. Foi muito difícil”.
Nesses momentos, a resposta rápida e empática da produção faz toda a diferença. A gestora Raquel dos Santos explica: “Levamos a vítima para longe do agressor e cuidamos dela com acolhimento, sempre evitando revitimizações”. Atitudes como essa garantem que o entretenimento continue sendo um espaço de celebração — inclusive para quem o torna possível.
Representatividade que inspira e transforma
Quando profissionais LGBTQIAPN+ atuam nos bastidores, o impacto vai além da produção: chega ao coração do público. Para Raquel, a presença desses profissionais “traduz representatividade e transmite segurança”. É uma nova forma de encarar a festa — mais plural, mais viva.
Andreia Garcia Augusto reforça: “Não importa a orientação sexual, importa o caráter”. E Letícia Novaes completa: “Profissionais qualificados entregam excelência, independente de quem está na plateia”. A arte do entretenimento ganha potência quando é feita por mãos diversas.
A diversidade, inclusive, é um motor de inovação. Estudo da Deloitte mostra que empresas com equipes plurais têm 1,7 vezes mais chances de liderar em inovação. Ou seja, mais diversidade = eventos mais criativos, relevantes e inesquecíveis.
O que ainda falta?
Apesar das conquistas, o show ainda precisa de ajustes. Samuel dos Santos Cano Pimenta, da NS Operações, sugere que o setor implemente campanhas, treinamentos e cursos obrigatórios sobre inclusão. A ideia é transformar o palco da diversidade em regra, e não exceção.
Palloma de Moraes Hechila aponta outro ponto crucial: “Falta consequência real para quem comete preconceito”. Criar diretrizes claras e efetivas é urgente para garantir que o entretenimento continue sendo sinônimo de liberdade e respeito.
Muito além do palco
Do sertanejo ao eletrônico, dos festivais às feiras corporativas, quem está nos bastidores já percebe: o que move o público é a atitude profissional e a conexão genuína. Daniela Maria dos Santos relembra a surpresa positiva em um evento de armas: “Esperava um público machista, mas foi receptivo”.
Essa troca quebra preconceitos e aproxima realidades. A presença de profissionais LGBTQIAPN+ mostra que, sim, a diversidade emociona — dentro e fora do palco.
Experiências que celebram a diversidade
E se os bastidores já são mais plurais, os eventos que celebram a comunidade LGBTQIAPN+ ganham cada vez mais protagonismo no calendário cultural. A Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, realizada neste domingo (22), reuniu cerca de 3 milhões de pessoas e movimentou impressionantes R$600 milhões na economia da capital paulista.
Um dos destaques foi o Camarote Pride, criado por Guto Melo, que oferece uma experiência de festa, segurança e representatividade. “Quero criar eventos que emocionem e transformem momentos em memórias”, diz Guto. Seu projeto mostra que o mercado de entretenimento pode — e deve — investir em espaços pensados para a comunidade, com conforto e acolhimento.
Perspectivas globais e locais
A presença de profissionais LGBTQIAPN+ nos bastidores é mais que uma conquista social — é uma vantagem competitiva. Relatórios internacionais, como o Global Diversity & Inclusion Report da PwC, revelam que empresas com estratégias de diversidade têm até 19% mais receita. Isso porque equipes plurais são mais criativas, engajadas e eficientes.
A OIT também reforça: a inclusão de grupos minorizados no mercado impulsiona o crescimento social e econômico. Em um país onde o entretenimento é um dos maiores patrimônios culturais, apostar na diversidade é garantir um espetáculo à altura de quem o consome — e de quem o faz.
Neste Mês do Orgulho, mais do que celebrar, o desafio é continuar construindo um setor que abrace todas as identidades e que transforme cada bastidor em um espaço de brilho, segurança e liberdade.