“Eu só queria um pedido de desculpas, uma retratação, mas não me deram”, lamentou, nesta quarta-feira, 22, a professora de música Débora Figueiredo, de 32 anos, mãe de Antônio e Benício, gêmeos de 3 anos. Débora é negra. Os filhos têm pele clara e cabelos crespos. No último dia 16, ela recebeu na agenda escolar das crianças o seguinte recado: “Olá, mamãe Débora! Peço-lhe se possível aparar ou trançar o cabelinho dos meninos, eles são lindos, mais (sic) eu ficaria mais feliz com o cabelo deles mais baixo ou preso”.

Agora, ela estuda processar a escola (prefere não divulgar o nome da instituição, para que seus profissionais não sofram represálias) por racismo.

Na noite do próprio dia 16, ela divulgou uma foto da página da agenda no Facebook e escreveu: “Como eu gostaria que meus filhos não passassem por nenhum tipo de preconceito, como eu gostaria de protegê-los desse mundo cruel, como eu gostaria de afastar gente ruim travestido de bonzinhos antes que eles tivessem o desprazer de ter contato. Eu não posso protegê-los de tudo, mas sempre vou lutar por eles.” Até esta tarde, a postagem já havia sido compartilhada por 4.400 pessoas, que se solidarizaram com Débora e as crianças.

A escola se defende dizendo que não houve racismo, e que o pedido foi feito pela coordenadora como forma de proteger Antônio e Benício de um surto de piolho. A dona da escola, Eliane Nascimento, disse que o bilhete não foi mandado para os pais de outras crianças, só para Débora, pelo fato de os gêmeos serem os únicos alunos da turma a irem para a escola sem estar com o cabelo preso – o que é indicado para evitar o contágio de piolho.

“Foi uma questão de má interpretação. Sou casada há 30 anos com um homem negro e tenho uma neta negra e com cabelo afro. Os filhos dela estão aqui há um ano e meio e nunca houve problema. A coordenadora trabalha aqui há 16 anos, também sem problema. A escola tem 20 anos. Os pais foram alertados no começo de junho sobre o surto de piolho, e mandamos o pedido pela agenda sem mencionar o assunto para não constranger as crianças. O cabelo deles está muito alto, faz sombra no papel e os atrapalha. Antes, eles vinham com ele trançado. Vários pais negros me ligaram se solidarizando”, disse Eliane.

A mãe foi até a escola nesta quarta-feira. Disse ter se decepcionado com a decisão da diretoria de não se retratar. Resolveu tirar os filhos da escola. “Sei que vai ser difícil conseguir escola no meio do ano. Estamos estudando o que vamos fazer, se vamos processar. Não queria que nada disso tivesse acontecido. Esperava um pedido de desculpas. Eles não admitem que erraram. Mesmo dizendo que foi um mal entendido, deveriam se desculpar. A questão do piolho não convence”, afirmou Débora.

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Na infância, a professora de música foi agredida na escola por ser negra. Conviveu com colegas que debochavam da cor de sua pele e de seu cabelo. “Eles cantavam ‘nega do cabelo duro, que não gosta de pentear…’, e os professores faziam vista grossa. Eu tenho que ser coerente. Meus filhos estão protegidos dessa história. Estou ensinando que eles são especiais, amados, inteligentes e lindos, que o cabelo deles é lindo, que a pele é linda.”


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