A pesar de ter nascido em São Petesburgo, na Rússia, Vladimir Nabokov aprendeu a ler em inglês devido à educação e convivência com tutores e governantas do Reino Unido. Nascido no final do século 19 em uma família muito rica – o pai era advogado e a mãe, herdeira de minas de ouro –, emigrou à força para a Europa após a revolução bolchevique. Morou em Cambridge, na Inglaterra, e depois viveu em Paris, antes de se mudar definitivamente para Berlim. Na capital alemã, manteve-se ensinando em uma combinação improvável de atividades diversificadas: inglês, francês, boxe e tênis.

Em 1940 foi obrigado a emigrar pela segunda vez, agora para fugir do nazismo. Ele e sua família – com exceção do irmão, Sergei, que foi enviado para um campo de concentração – conseguiram embarcar no SS Champlain rumo a Nova York. Nos EUA, Nabokov pode se dedicar às suas grandes paixões: a literatura e a lepidopterologia, o estudo das borboletas. Começou a dar aulas de literatura russa no Wellesley College, em Massachusetts, uma instituição apenas para mulheres. Em paralelo, o amor aos insetos o levou a se tornar pesquisador associado do Museu de Zoologia de Harvard. Mais tarde mudou-se para Ithaca, em Nova York, onde foi professor na renomada Universidade Cornell. Entre suas alunas estava a futura juíza da Suprema Corte americana, Ruth Bader Ginsburg, que desde então sempre o citou como grande referência intelectual.

O conteúdo de suas aulas foi compilado e chega agora em duas belas reedições, “Lições de Literatura” e “Lições de Literatura Russa”. No primeiro, ele analisa o trabalho dos colegas ingleses Jane Austen e Charles Dickens, do poeta escocês Robert Louis Stevenson, dos franceses Marcel Proust e Gustave Flaubert e do irlandês James Joyce. Entre os russos, Nabokov se debruça sobre as obras de Nikolai Gógol, Ivan Turguêniev, Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói, Anton Tchekov e Maksim Górki. Ao ser editado em formato de prosa, o conteúdo dado em sala de aula torna-se uma valiosa obra literária por conta própria. Nabokov não era um grande professor pela matéria ensinada no curso, mas pela atitude apaixonada que estimulava os alunos.

“Quando lemos, devemos reparar nos detalhes e acariciá-los”, dizia. Suas recomendações iam muito além das palavras – exigia que os alunos desenhassem mapas e diagramas relacionados aos cenários onde as histórias eram ambientadas. E abusava das metáforas: “todo grande escritor é um grande impostor, mas assim é também a natureza, essa trapaceira contumaz. A natureza sempre engana.” Não economizava nas críticas aos autores que desprezava, como Sigmund Freud, William Faulkner e Thomas Mann: “muitos autores bem aceitos não existem para mim. Seus nomes estão gravados em túmulos vazios, seus livros são apenas manequins.” Suas grandes motivações eram a criatividade e a originalidade, tanto nos escritores quanto nos leitores: “Chamar uma história de verdadeira é um insulto tanto à arte quando à verdade”.

Nabokov deu aulas até 1955, ano de lançamento de sua obra mais famosa – e rentável –, “Lolita”. O escritor largou então a carreira acadêmica e se dedicou aos próprios livros – que não deixam de ser, da mesma forma, grandes aulas de literatura.

Aos mestres sem carinho