03/03/2020 - 12:39
A dentista Fernanda Machado, da capital paulista, embarcaria com sua mãe para a Itália no dia 25 de abril, mas desistiu da viagem devido ao coronavírus. “Íamos para Milão e retornaríamos por Roma no dia 9 de abril, mas tomamos a decisão de não viajar. É muito arriscado parar em outro país com essa situação, não tanto pelo risco de pegar a doença, porque é similar a uma gripe, mas pela quarentena, fechamento de pontos turísticos e a possibilidade de trazer (o vírus) conosco para o Brasil”, disse.
A preocupação com o coronavírus está levando turistas brasileiros a cancelarem viagens para o exterior. Muitos, como Fernanda, estão recorrendo a órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, para evitar maiores prejuízos. Até a tarde desta segunda-feira, 2, o Procon-SP havia recebido 90 reclamações contra companhias aéreas que dificultavam o cancelamento. Conforme o órgão de defesa do consumidor, as demandas foram enviadas para as empresas na tentativa de se compor um acordo entre as partes.
A Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) informou ter recomendado aos agentes de turismo que ofereçam opções e facilidades na remarcação ou opção de novos itinerários sem custo para os passageiros. “O que as agências de viagens associadas nos reportam no momento são consultas de clientes sob o status das operações. As políticas de remarcações não são padronizadas, dependem de cada fornecedor, e as agências fazem toda a intermediação necessária”, informou. Algumas agências fazem a negociação diretamente com as empresas aéreas, em nome de seus clientes.
Fernanda conseguiu cancelar sem prejuízo quatro dos sete hotéis – ainda faltavam três – e tentou contato com a companhia aérea para obter o cancelamento e reembolso dos bilhetes dela e da mãe, mas não conseguiu ser atendida. “Os telefones que a Air Europa disponibiliza são europeus e, embora eu fale inglês não fluente, o atendimento não prosseguiu e já registrei reclamação no Procon (SP). Acho prudente cancelar a viagem, como o próprio Ministério da Saúde recomenda, mas não é justo perdermos todo o dinheiro.”
Com embarque marcado para o próximo dia 13 para a Tailândia, onde já houve morte pelo coronavírus, o policial militar Rafael Casari de Oliveira, de Sorocaba, decidiu manter a viagem que fará com a esposa. “A gente programou essa viagem com muita antecedência e comprou as passagens há mais de três meses. Estamos tomando todas as precauções para que não haja surpresa.”
O casal ficará três dias na capital, Bangkok, e passará duas semanas viajando pelo país. “Já vimos que lá as autoridades estão tomando todas as medidas de proteção para os turistas, pois o país depende muito do turismo, que já foi bastante afetado pelo coronavírus”, disse.
A Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih) está recomendando aos associados que encaminhem para unidades de saúde hóspedes ou colaboradores que apresentem sintomas, além de acompanhar o diagnóstico e higienizar os locais utilizados. Outra recomendação é para “notificar a Vigilância Sanitária de possíveis casos suspeitos, especialmente se a procedência da viagem anterior seja de países com casos confirmados”.
Conforme a associação, os hotéis não podem deixar de receber hóspedes provenientes de país com o vírus, mas devem reforçar as medidas de higiene e instruir funcionários sobre os sintomas. Segundo a Abih, ainda não há reflexos do vírus na hotelaria nacional.
Especialista em direito do consumidor, o advogado Sérgio Angelotto Junior, lembra que as companhias têm de aceitar o código do consumidor do país. Elas não são obrigadas a devolver o dinheiro porque isso não está expresso na legislação, mas os casos têm sido resolvidos de forma favorável ao passageiro, sobretudo quando o pedido é de transferência da viagem para outra data. “O consumidor deve informar a companhia formalmente sobre os motivos para a não realização da viagem naquela data, anotando o protocolo, para depois buscar o ressarcimento de eventual prejuízo.” Segundo ele, é improvável que as empresas façam a devolução automática, por isso o consumidor deve estar preparado para fazer o pedido judicialmente.
Conforme o especialista, mais do que uma questão de direito do consumidor, essa é uma questão de saúde pública. “Não existe ambiente mais propício à proliferação do vírus do que um avião, que está todo fechado. É uma questão de proteção inclusive para os funcionários da empresa.”
Ele lembra que a passagem aérea significa um contrato pelo qual o consumidor paga para ser transportado em segurança, o que inclui a biossegurança. “Se as companhias garantissem 100% de que não há risco de pegar o vírus, tudo bem, mas não há como dar essa garantia.”