Os governistas da CPI da Covid acusam desde ontem o presidente da comissão, o senador Omar Aziz, de ter agido com autoritarismo ao mandar prender em flagrante o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias. Segundo Aziz, ele omitiu fatos e contou mentiras enquanto prestava depoimento.

Era de se esperar. As redes sociais já estão cheias de mimimi bolsonarista, segundo o qual a CPI não é mais que uma tramoia de “pilantras” para alvejar o presidente. Eles não perderiam a oportunidade de aumentar o volume da gritaria, mesmo que a reclamação seja infundada. Na verdade, Aziz agiu dentro de suas prerrogativas, e de maneira fundamentada.

Ordens de prisão em CPIs passam pelo crivo da Justiça Federal. Sendo a alegação de falso testemunho, como aconteceu ontem, é preciso demonstrar que o delito aconteceu. Caso contrário, o juiz pode revogar o mandado. Não foi isso o que aconteceu ontem. A presidência da comissão apresentou um áudio que demonstrava uma incongruência no depoimento de Dias. Com isso, o juiz não encerrou sumariamente o caso. Estabeleceu, em vez disso, uma fiança para Dias.

Isso mostra que Omar Aziz não cometeu um gesto arbitrário. Se foi inteligente, isso é outra história.

“Tenho sido desrespeitado como presidente da CPI, ouvindo historinhas”, disse o senador ao dar a ordem de prisão. “Não aceito que a CPI vire chacota.”

O tiro, no entanto, teve grandes chances de sair pela culatra. Quando tudo aconteceu, já estava em andamento uma sessão do plenário do Senado. Como comissões de inquérito não podem funcionar durante sessões plenárias, chegou-se a levantar a hipótese de que a decisão de Aziz era nula, inválida. A autoridade do presidente da CPI teria sido destroçada se levassem essa tese adiante.

Além disso, sempre foram mínimas as chances de Roberto Dias permanecer detido por muito tempo. Ainda que a Justiça considerasse a prisão justificada, era provável que houvesse uma fiança de valor baixo – como de fato aconteceu. Dias foi para casa ao pagar o valor de mil e cem reais, cinco horas depois de ser preso.

E quais poderiam ser os benefícios da jogada de Aziz? Difícil imaginar que Dias vá mudar seu testemunho, se de fato estava escondendo alguma coisa. Além disso, pessoas convocadas para sessões futuras da CPI, que estejam se preparando para contar lorotas, provavelmente vão reforçar a preparação, em vez de mudar de ideia.

Dramas como esse não ajudam a investigação. Os protagonistas da CPI usariam melhor o seu tempo disseminando, de maneira didática, os indícios de que o Ministério da Saúde de Jair Bolsonaro foi tomado por gente com más intenções.

A história está cada vez mais complicada, com um número cada vez maior de personagens. É preciso ressaltar o que de fato importa.

São duas as denúncias que surgiram até agora. Primeiro, que havia um esforço para liberar a importação da vacina indiana Covaxin, passando por cima de trâmites burocráticos e critérios técnicos. Segundo, que uma oferta de vacinas AstraZeneca foi recebida com um pedido de propina – em vez de ser descartada sumariamente, diante dos vários indícios de que era apenas uma armação primária.

As tramas têm um personagem em comum: Roberto Dias. E compartilham ainda um outro elemento: os movimentos para transformar a compra de vacinas em corrupção não eram segredo nem para a cúpula do ministério nem para o próprio Jair Bolsonaro. Informado sobre a história da Covaxin, o presidente teria inclusive manifestado a suspeita de que um grupo ligado ao líder do seu governo, o deputado Ricardo Barros, era o responsável. Mas ele nada fez para deter a maracutaia.

É isso que importa: há sinais eloquentes de que o “governo sem corrupção” de Jair Bolsonaro foi no mínimo complacente com um grupo que tentava enriquecer de maneira desonesta ao negociar vacinas no meio da pandemia.

Os governistas da CPI se esgoelam para dizer que a comissão não pode ter viés político. É uma grande bobagem. Eventuais efeitos jurídicos da investigação só serão sentidos depois do seu encerramento, se a Justiça decidir abrir um processo com base no seu relatório. Antes disso, os efeitos só podem mesmo ser políticos – e é por isso que os trabalhos são conduzidos por parlamentares, e não magistrados.

O melhor efeito que a CPI pode ter é desgastar o capital político de Bolsonaro – o presidente que transformou a pandemia em tragédia. Há que manter o foco.