Às 23h do sábado 4, os hóspedes de uma unidade do hotel de luxo Ritz-Carlton na cidade de Riad foram convocados a comparecer ao lobby do prédio juntamente com suas bagagens. As 492 suítes deveriam ser desocupadas imediatamente. Vários ônibus esperavam na porta do local para levá-los a outros hotéis da região, onde continuariam suas estadias. Ninguém sabia o porquê. Pouco tempo depois, já com os quartos vazios, outros veículos chegaram e deles desembarcaram príncipes, ministros e ex-ministros sauditas. Suspeitos de corrupção, eles foram detidos pelas autoridades do país até que as investigações sejam concluídas. Milionários e poderosos, não foram levados para celas de uma penitenciária comum, mas para os aposentos cinco estrelas cuja diária passa dos R$ 1.000. Uma prisão com piscina coberta aquecida, spa e restaurante italiano para pessoas acusadas de lavagem de dinheiro, suborno e extorsão.

A captura de tantos poderosos foi decretada pelo rei Salman bin Abdulaziz e executada por seu filho e príncipe herdeiro de 32 anos, Mohammed bin Salman, ou MBS, como costuma ser chamado, após a formação de um comitê anticorrupção. “A pátria não existirá, a menos que a corrupção seja desarraigada e os corruptos sejam responsabilizados”, afirmou o comitê, em decreto que anunciou sua criação. Ainda que tenha por objetivo restabelecer a confiança na administração do país, as prisões foram questionadas por terem como destino um hotel de luxo. Colocá-los lá em vez de em uma penitenciária comum parece ter sido uma estratégia de MBS para mostrar poder ao mesmo tempo em que não afronta radicalmente os magnatas sauditas. Um dos detidos é o homem mais rico do país e 45º do mundo, o bilionário Alwaleed bin Talal, dono de uma empresa de investimentos e acionista das gigantes Twitter e Apple. De qualquer maneira, a ofensiva contra a elite criminosa do país marca uma reviravolta histórica na estrutura social, econômica e cultural que vem acontecendo nos últimos meses.

GUERRA DOS TRONOS

Desde junho, quando foi nomeado como próximo na sucessão do trono do país, MBS tem anunciado reformas que colocam em curso uma verdadeira revolução na Arábia Saudita, hoje um dos países mais conservadores do mundo, tanto em termos morais quanto sociais e econômicos. O objetivo principal é quebrar um histórico que dificulta o progresso econômico. Em uma das medidas mais recentes e que chamaram a atenção do mundo todo, o país revogou a proibição de mulheres de dirigirem. Entre as iniciativas econômicas, já foi assinalada a intenção de criar uma zona econômica de US$ 500 bilhões, que seria aberta para investidores estrangeiros e não teria uma legislação tão rigorosa quanto a atual.

Uma prisão com piscina coberta aquecida, spa e restaurante italiano
para pessoas acusadas de lavagem de dinheiro, suborno e extorsão

Em entrevista ao jornal britânico “The Guardian” no final de outubro, o jovem príncipe afirmou que pretende fazer com que o país retorne ao “Islã moderado”. “Estamos simplesmente voltando ao que seguimos, um Islã moderado, aberto ao mundo e a todas as religiões”, disse. Segundo o príncipe, 70% dos sauditas têm menos de 30 anos, e essa faixa etária, com a qual se comunica com mais facilidade, é a que mais apóia as investidas para mudanças. “Não desperdiçaremos 30 anos de nossa vida combatendo pensamentos extremistas, vamos destruí-los agora e imediatamente.” Sua postura e seus comentários já surtiram efeito entre a ala conservadora e religiosa do país, que se opõem ao seu estilo de governo. Mas, na guerra pelo trono saudita, ele já é o vencedor.