Principais desafios da governança corporativa

Governança corporativa - Planejamento e visão estratégica
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Há mais de três décadas ouvimos falar da expressão “governança corporativa”. Mais do que compreender a sua real importância e seus fundamentos e mecanismos, é fundamental discutirmos sobre os principais desafios práticos na sua implementação e evolução nas mais diversas organizações. Além de eventuais restrições regulatórias que possam existir, podemos listar uma série de barreiras, muitas delas não claramente perceptíveis, que devem ser levadas em consideração em qualquer processo dessa natureza. Destacamos alguns dos principais desafios a seguir:

    1. Necessidade de sponsors, principalmente dentre os sócios, acionistas ou instituidores, ou mesmo na alta liderança, que apoiem genuína e constantemente esse movimento evolutivo.

    2. Os agentes de governança devem possuir um conhecimento mínimo sobre o tema (letramento) que contribua para uma real compreensão sobre cada etapa de implementação da governança.

    3. Estabelecer as prioridades com base no contexto e o momento em que a organização vive. Tomar cuidado com o fenômeno do “anacronismo”, ou seja, utilizar as “lentes” do presente para avaliar situações ocorridas no passado.

    4. Iniciativas dessa natureza demandam um tempo de avaliação, planejamento, execução, monitoramento e aperfeiçoamento, razão pela qual medidas de curto prazo ou apressadas podem não gerar os benefícios esperados. Há um claro tempo de maturação e devida alocação de recursos para essas iniciativas, que demandam medidas de cunho estrutural, procedimental, pessoal e cultural.

    5. Manter foco nos objetivos desejados, evitando os chamados “modismos”, tendências que são criadas de uma hora para a outra e que não se sustentam ao longo do tempo. Tal cautela evita dispêndios desnecessários de tempo e de recursos e evita a ocorrência de riscos inesperados.

    6. Escolher o momento adequado para iniciar a implementação da governança. Normalmente, movimentos de governança ocorrem por conta de dois gatilhos: uma crise ou uma oportunidade. É tradicionalmente mais difícil termos motivação para tais movimentos em situações de calmaria, embora este seja, potencialmente, o melhor momento. muitas lideranças têm dificuldade de aceitar a necessidade de mudança em uma postura de verdadeiro negacionismo. O primeiro passo para qualquer mudança é aceitar que ela é necessária.

    7. Somos todos conflitados, viesados e limitados. Logo, temos que mitigar essas situações para que o processo evolua e passe a colher resultados. Além disso, o ego é um grande inimigo de todos nós, principalmente, em iniciativas dessa natureza. Como lidar com “panelas”, preferências e outras predisposições decisórias que normalmente vão de encontro com as decisões no melhor interesse da organização?

    8. É muito comum que se busquem uma série de benefícios financeiros, operacionais e relacionais quando se fala na implementação de boas práticas de governança. O desafio é que os mesmos são normalmente de longo prazo. Os custos e resistências, no entanto, são normalmente visíveis e tangíveis de imediato, descasando a lógica do custo e benefício inerente à natureza humana.

    9. Muitos temem a perda de poder nesses processos evolutivos, logo uma redução no controle e perda de influência nos mais variados relacionamentos e processos decisórios. Como deixar todos os envolvidos alinhados, confortáveis e motivados em um movimento dessa natureza?

    10. Um importante desafio é disseminar a cultura de governança, fundamental para manter um movimento vivo e minimamente sustentável e eficaz. A institucionalização do tema é um enorme desafio independendo da liderança de um ou alguns indivíduos.

    11. Precisamos estar sempre abertos a aprendizagem contínua, devendo ter uma adaptabilidade constante para seguir em evolução.

    12. A implementação da governança também demanda recursos, trazendo assim o desafio de priorizar as múltiplas iniciativas e atividades em uma organização. Como dar andamento às urgências e compatibilizar com o dia a dia da organização? Por um lado, temos que vender, temos que produzir resultados, por outro precisamos evoluir em nossa estrutura de governança.

    13. Como ir além do lucro? Se entendermos que o papel da governança corporativa é ir além da criação de valor financeiro a sócios, acionistas e instituidores, a construção do sistema de governança deverá ter uma amplitude mais ambiciosa e, por que não, mais adequada nesse sentido. Cuidados devem ser tomados para não se criarem expectativas desmedidas perante as partes interessadas, movimento que pode ser enganoso e arriscado sob o ponto de vista reputacional.

O entendimento desses desafios e de seus respectivos graus de dificuldade é tarefa nada trivial, mas pode servir como um norte realista para movimentos de governança corporativa que pretendem ser bem recebidos, discutidos, construídos e implementados de forma eficiente. Tão importante quanto às boas intenções relacionadas ao assunto será a nossa capacidade de avaliar o contexto e as barreiras que se apresentam.

* Letícia Costa

Letícia Costa é Engenheira de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e tem um MBA da SC Johnson School of Management da Cornell University. Sócia na SLP Consultoria e Treinamento, Letícia iniciou sua carreira em consultoria de gestão na Booz Allen Hamilton (hoje Strategy&) em 1986 e foi Presidente das operações da empresa no Brasil de 2001 até 2010. Foi também responsável pelas práticas de Indústria e Operações da Booz Allen na América Latina entre 1994 e 2010.

Letícia trabalhou no Insper de 2010 a 2015, como Coordenadora do Centro de Pesquisa em Estratégia e como Diretora da Pós-Graduação Lato Sensu. Já foi conselheira da Technip S.A., Sadia S.A., Martins, Gafisa, Embraer e Marcopolo. Letícia também já foi também membro de Comitê de Conselho na Votorantim Industrial, Votorantim Metais, CBA e Bematech.
Atualmente, é conselheira da Localiza S.A., Mapfre S.A., Auren Energia S.A. DASA e Totvs S.A.

* André Camargo

Com 25 anos em advocacia e docência em direito societário, governança corporativa e M&A, André Camargo é Doutor em Direito Comercial pela USP e LLM pela Universidade da Califórnia, EUA. Além de Professor do Insper, também é professor visitante em diversas universidades nacionais internacionais.

Desde 2009 no IBGC, é instrutor e conselheiro de administração certificado. Também é Presidente do Conselho Consultivo do IBRADEMP e cocoordenador da Comissão de Direito Societário e Mercado de Capitais. Autor dos livros Transações entre partes relacionadas: um desafio regulatório complexo e multidisciplinar, Aspectos jurídicos do ambiente empresarial brasileiro e Regulação internacional da governança corporativa e do compliance, além de diversos artigos e capítulos de livro no Brasil e no exterior sobre o tema “governança corporativa”.