O presidente argentino Javier Milei completa um ano de governo nesta terça-feira, 10. Os 365 dias de gestão do mandatário ficaram marcados pela desaceleração da inflação, o corte de gastos do governo e o maior salto da pobreza em duas décadas. De acordo com as pesquisas da CB Consultora Opinión Pública, divulgadas pelo jornal “Clarín” no domingo, 8, o chefe de estado tem uma aprovação de 52,3%.
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Milei foi eleito com 55% dos votos nas eleições presidenciais de 2023 e tomou posse no dia 10 de dezembro do mesmo ano. O atual chefe de estado venceu Sergio Massa, então ministro da Economia da Argentina. O político era comentarista econômico em programas de televisão e surgiu como um candidato “antissistema”.
Ao longo de sua campanha, Milei prometeu dolarizar a economia, extinguir o Banco Central para acabar com a inflação, cortar gastos do governo e retirar o país latinoamericano do Mercosul, bloco econômico que engloba Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Durante seu primeiro ano de governo, Milei reduziu o número de ministérios de 18 para 8, eliminando as pastas relativas à Educação, Trabalho, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Cultura e Mulheres. Institutos de combate à discriminação, à xenofobia e à defesa dos povos indígenas também foram extintos.
‘Terapia de choque’ econômica
Utilizando a “motosserra” como um símbolo, Milei promoveu um corte de gastos que culminou no primeiro superávit fiscal primário – arrecadação maior do que gastos – em mais de uma década, 0,3% do PIB (Produto Interno Bruto).
A partir de janeiro deste ano, a inflação galopante da Argentina começou a cair e chegou a 2,7% em outubro. O movimento foi descrito pelo presidente como um “milagre econômico”.
Apesar disso, a pobreza aumentou em 11 pontos no primeiro semestre do ano, o maior crescimento em duas décadas, atingindo 52,9% da população. Ainda, houve uma queda no poder de consumo, na produção industrial e na área de construção.
Gilberto Maringoni, professor de relações internacionais da UFABC (Universidade Federal do ABC), explica que a maneira como a queda da inflação foi feita provoca um aumento da pobreza. “Para derrubar a inflação, ele [Milei] acaba com todo tipo de financiamento público, derruba investimentos em infraestrutura, corta verbas da educação, da saúde, de restaurantes, de programas de assistência. Aí ele consegue fazer um superávit.”
Ao longo da gestão, o presidente argentino acabou com acordos que limitavam os preços dos remédios e de alimentos, além de liberar os contratos de aluguéis, seguros, serviços de telefone e internet, medicamentos e educação privada. Os subsídios para eletricidade, gás, água potável e transporte público foram reduzidos.
O mandatário ainda vetou uma lei para aumentar o orçamento das universidades, reduziu bolsas de estudo, impediu a aprovação de uma legislação que elevaria as aposentadorias em 8% e cortou medicamentos gratuitos para idosos. “A inflação caiu significativamente, mas isso não quer dizer que os preços caíram, eles pararam de subir”, pontua Maringoni.
O fim de contratos de obras públicas encerrados por Milei culminaram na eliminação de 30 mil empregos estatais.
Apesar de 54,5% dos argentinos considerarem que a situação econômica piorou com a gestão de Milei, o governo é aprovado por 52,3% da população, conforme levantamento da CB Consultora Opinión Pública. A pesquisa tem uma margem de erro de 2,5% para mais ou menos e foi feita com base em entrevistas com 1.562 pessoas entre os dias 2 e 6 de dezembro.
“Vamos ter que conferir se essas medidas vão ser sustentáveis. Observar se a inflação continua caindo, mas também se elas não produzem algo pior”, comenta Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper sobre as expectativas para os próximos anos de Milei.
Trocas nos ministérios e minoria no Legislativo
De acordo com o “Clarín”, o governo de Milei ficou caracterizado pela troca de dirigentes. Em 12 meses de gestão, três ministros e um chefe de gabinete deixaram a gestão do libertário.
- Guillermo Ferraro – Ministro da Infraestrutura: Deixou o cargo em fevereiro de 2024. A pasta da infraestrutura foi liquidada e absorvida pelo Ministério da Economia;
- Nicolás Posse – Chefe da Casa Civil: Demitido em 27 de maio deste ano e substituído por Guillermo Francos.
- Mario Russo – Ministro da Saúde: Deixou o cargo em setembro de 2024 por motivos “estritamente pessoais”;
- Diana Mondino – Ministra das Relações Exteriores: Deixou o cargo em outubro após sofrer meses de intervenção da Casa Rosada em suas atividades. Diana Mondino foi demitida após votar contra o embargo dos EUA a Cuba na ONU (Organização das Nações Unidas);
Para Leandro Consentino a troca de ministros é natural e decisão do presidente, entretanto, quatro baixas em um ano demonstram instabilidade. “A personalidade do Javier Milei não é tranquila, agregadora, vemos isso ao longo do tempo. Perder aliados de primeiro escalão talvez não fosse o plano dele”, aponta o cientista político.
Segundo Maringoni, a saída dos ministros indica uma centralização do governo na Casa Rosada. “A diretriz central é o ajuste fiscal e a contração de gastos. A redução do papel do estado na parte social”, comenta o professor de relações internacionais.
Milei apresentou um pacote com mais de 600 reformas ao Congresso mas, sem maioria, teve que reduzir o projeto para menos de um terço e, em junho, conseguiu o primeiro sucesso legislativo com uma proposta que declarava emergência econômica.
Na Câmara dos Deputados a maioria é do bloco peronista, de centro-esquerda, com 108 parlamentares e, no Senado, o partido de Milei tem sete legisladores.
Nesta segunda-feira, 9, o Human Rights Watch, uma organização de Direitos Humanos com base em Washington, nos EUA, criticou a decisão de Milei de escolher juízes da Suprema Corte por decreto. Os nomes sugeridos pelo mandatário foram Ariel Lijo, acusado de atrasar ou manipular investigações de corrupção, e Manuel García Mansilla.
As nomeações deveriam ser aprovadas pelo Senado, entretanto, a Casa Rosada não tem os dois terços dos votos necessários e por isso Milei precisaria escolher os juízes por decreto.
Propostas de Milei como a dolarização da economia foram adiadas indefinidamente pelo mandatário. Para Consentino, isso mostra que promessas extremas tendem a ser suavizadas pela sobrevivência política. “Ele não governa sozinho”, conclui.
Por meio de decreto, o mandatário restringiu o acesso a informações públicas, deixando a critério do governo a recusa de solicitações.
Segurança
Nesta segunda-feira, 9, a ministra da Segurança do país, Patricia Bullrich, anunciou medidas de controle nas fronteiras e repressão da imigração ilegal em uma tentativa de conter o narcotráfico, informou o “Clarín”. Ao longo de sua atuação, a chefe da pasta nunca escondeu sua admiração pelo presidente Nayib Bukele, de El Salvador, que adotou medidas de segurança controversas durante sua administração.
Na gestão Milei, as forças federais foram autorizadas a participarem de controles repressivos de protestos de rua por meio de um protocolo de segurança que impede o bloqueio de vias. Entre janeiro e agosto, a taxa anual de homicídios de Rosário, a cidade mais violenta da Argentina, foi reduzida em 62%.
Para Maringoni, as medidas de segurança de Bukele que viraram exemplo para Patricia Bullrich são um modelo de estado policial. “É um padrão extremamente violento seja para reprimir movimentos de protesto ou para qualquer manifestação criminosa.”
*Com informações da AFP
**Estagiário sob supervisão