Não precisa muito. Alguns minutos a mais de brincadeira no banho, um colo oferecido em um momento de medo, o olho no olho na hora de elogiar uma atitude bacana ou uma risada bem humorada quando tudo dá errado. É assim, com gestos cotidianos e aparentemente despretensiosos, que pais e educadores podem colocar em prática um consenso precioso – e por que não, um dos mais belos – da neurociência: o afeto oferecido à criança nos seus primeiros anos de vida moldará sua personalidade e servirá como efeito protetor contra doenças como a ansiedade e a depressão.

A intensidade do carinho influenciará se ela terá mais ou menos resistência às frustrações, se será capaz de compreender com maior facilidade o teor de um texto complexo e se conseguirá se adaptar em um mundo no qual tudo muda muito rapidamente. E, principalmente, se terá a dar a essa mesma sociedade amor em vez de ódio, compreensão em vez de soberba e respeito em vez de desprezo por tudo o que for diferente dela própria.

Os achados são indiscutíveis. Duas das mais importantes do mundo e mais ativas instituições a pesquisar o assunto são as universidades americanas de Harvard e de Yale. Vêm de pesquisas conduzidas nessas instituições constatações de que crianças privadas de afeto apresentam, entre outros prejuízos, alterações no funcionamento de áreas cerebrais associadas ao processamento das emoções. É a ausência do amor comprometendo a arquitetura cerebral.

Os efeitos serão observados a longo prazo, na idade adulta. Há uma clara evidência de que crianças que não desfrutaram de vínculos afetivos sólidos terão maior tendência à agressividade e ao desenvolvimento de doenças psiquiátricas (depressão, por exemplo) e tendência a comportamentos agressivos e destrutivos.

Em um dos trabalhos mais importantes sobre o tema, pesquisadores da Duke University e da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, registraram o fenômeno após a realização de análises que levaram em conta imagens cerebrais e informações sobre o humor e os cuidados recebidos por adolescentes quando crianças. “A negligência emocional praticada por pais e cuidadores em relação às crianças deixa marcas nos circuitos neuronais”, disse Jamie Hanson, do Departamento de Psicologia da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e estudioso das implicações neurológicas do afeto, ou da falta dele. “No futuro, essas cicatrizes podem contribuir para o surgimento de sérios distúrbios afetivos.”

É claro que vários outros fatores contribuem para o desenvolvimento cerebral, a formação da personalidade ou para o risco de surgimento de alguma patologia psiquiátrica. A genética é um deles. Mas é fato que a associação entre os genes e o ambiente definirá o resultado. Sobre a genética ainda não há muito o que pode ser feito. Mas sobre o ambiente, sim. Portanto, cabe aos adultos – pais e cuidadores – assegurar que ele seja composto de proteção, segurança e amor.

Rede de amor

1611307
Felipe Gabriel/Agência IstoÉ

Basta uma observação rápida para ter certeza da força do vínculo afetivo entre o menino Arthur Formiga Bueno, de dois anos e oito meses, com os pais, os médicos Bruno e Cristina.  A rotina corrida não impede os momentos de carinho, com muito beijo, abraço e declarações expressas de amor. Arthur também construiu conexões de afeto com familiares próximos e sua professora. É amparado por essa rede que ele cresce feliz e devolve carinho ao mundo.